Os Jornalistas e a Primeira Licenciatura em Comunicação Social em Portugal (1979) é um livro de Renato Mendes, resultado inicial de uma dissertação de mestrado na Universidade Nova de Lisboa. Jornalista nascido no Brasil, Renato Mendes estuda neste livro o surgimento da primeira licenciatura em comunicação social em Portugal e as tensões em torno dessa novidade, em especial a que opôs jornalistas e académicos, com aqueles a contestarem, por não conhecimento prévio da autorização do curso superior.
Em quatro capítulos, o autor apresenta o ensino em Portugal numa perspectiva histórica, enumerando as iniciativas anteriores, ao passo que o segundo capítulo contextualiza o curso e a relação entre jornalistas e académicos, o terceiro capítulo analisa os acontecimentos em torno do lançamento do curso, os condicionalismos e as reacções e cedências entre os agentes envolvidos e o capítulo final as propostas de curso. A metodologia empregue foi a análise documental e algumas entrevistas. O autor contou com a colaboração do primeiro responsável do curso, Adriano Duarte Rodrigues, o que lhe permitiu reconstituir os passos de organização da licenciatura da Universidade Nova de Lisboa com muita precisão e profundidade. Fico-me aqui pelas tentativas anteriores ao curso de 1979.
A primeira sugestão surgiu em 1941, quando o Sindicato Nacional dos Jornalistas entregou às autoridades o texto do projecto do Curso de Formação Jornalística. O curso proposto teria a duração de dois anos, com disciplinas teóricas, conferências livres e exercícios práticos, além de visitas de estudo a redacções dos meios. Depois, em 1966, o vespertino
Diário Popular apresentou uma segunda tentativa de curso, o Curso de Iniciação Jornalística, realizado entre Abril e Maio desse ano, com um objectivo prático: recrutar jornalistas. Francisco Pinto Balsemão foi o idealizador e promotor do curso, que atingiu candidatos com menos de 30 anos, o sétimo ano do liceu e saber uma ou mais línguas estrangeiras, além de poder assistir a todas as aulas. O I Curso de Jornalismo organizado pelo Sindicato Nacional de Jornalistas decorreu durante quatro meses entre 1968 e 1969, com a ideia de lançar uma Escola de Jornalismo. Foi criada uma modalidade de ensino à distância. O sindicato voltava a apostar num modelo universitário em 1970, com a designação de Ciências da Informação, que não chegou a ir para a frente.
No ano seguinte, em 1971, o ministério da educação aprovava a Escola Superior de Meios de Comunicação Social, aberta no Instituto de Línguas e Administração, escola que pertencia ao Banco Borges & Irmão, entidade que detinha a propriedade de dois jornais,
Diário Popular e
Jornal do Comércio, e a agência de publicidade Latina. Com a mudança de regime político e a nacionalização da banca em Março de 1975, a escola sofreu muitas dificuldades mas existiu até meados da década de 1980. E houve muita gente com licenciatura dessa escola, reconhecida pelo Estado.
Denoto o modo como Renato Mendes escreve sobre esta escola: "Quanto à criação da ESMCS, esta escola teve existência efémera porque estava subjugada aos interesses do capital, desta vez apoiada pelo governo. Os interesses do governo mantiveram a escola activa, já que estavam a ser influenciados por um relatório da OCDE, que indicava a necessidade da formação de quadros técnicos" (p. 43).
Sem pretender lançar polémica sobre o livro de Renato Mendes, bem documentado e escrito, não posso deixar de distinguir o título (comunicação social) em contraste com o prefácio de Nelson Traquina ao mesmo livro. O título do livro fala em comunicação social, o prefácio incide em ciências da comunicação ou jornalismo. Na realidade, a designação inicial do curso da Universidade Nova de Lisboa alterou-se de comunicação social para ciências da comunicação, abrindo pluralismo às matérias leccionadas. A par da semiótica e da linguística, áreas mais poderosas no começo da oferta, crescem áreas como publicidade, jornalismo e comunicação empresarial. O prefácio de Nelson Traquina acaba por destacar a formação do jornalismo e a sua base em ciências sociais, como sociologia, história, economia, e disciplinas teóricas como teoria da notícia e ética na comunicação social. Daí para a frente, o prefácio analisa apenas o jornalismo. Ele escreve mesmo: "a Licenciatura em Jornalismo é vital para o desenvolvimento de um campo jornalístico que afirma o seu poder numa sociedade democrática" (p. 15).
A distinção entre comunicação social e jornalismo é algo subtil. Jornalismo é um fazer, que implica códigos de trabalho e produção, comunicação social é a área de actividade que emprega os jornalistas, que estabelece uma ética e uma responsabilidade social. Por outro lado, as duas designações parecem indicar espaço para um verbo e um nome, interligados consequentemente. Se isso for assim, a indicação de primeiro curso deve recuar para a Escola Superior de Meios de Comunicação Social, que não pode ficar na prateleira das tentativas de composição intelectual dos media mas ser uma realização de corpo inteiro. Afinal, os licenciados por esta escola merecem respeito, como Jorge Fazenda Lourenço e José Manuel Lopes, autores do texto "O Ensino do Jornalismo em Portugal" (
Educação e Trabalho, nº 21/22, Janeiro-Junho 1982), na altura finalistas do curso.
Leitura: Renato Mendes (2012).
Os Jornalistas e a Primeira Licenciatura em Comunicação Social em Portugal (1979). Lisboa: Escritório Editora, 235 páginas, 12,90 €
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