Coisas e Coisas
A insustentável pobreza do ser
Sintomas clássicos da degradação financeira de um jornalista, também conhecida como “pindaíba mórbida”:
1.
Ir a um encontro romântico, ostentando o jabá recebido dias antes numa coletiva para a imprensa. Tudo bem que o restaurante não é nenhum francês bacanérrimo, mas é extremamente decepcionante para uma mulher jantar com um homem – ela chegou até a imaginar que ele poderia ser o futuro pai de seus filhos – que veste uma camisa pólo azul-cafona com os dizeres “Tubos e Conexões Tigre”. Mesmo com letras discretas.
2.
Embolsar o dinheiro do táxi – que será gasto no Carrefour – e seguir para a pauta de ônibus, naturalmente lotado. Além de poder chegar atrasado ao local da reportagem, o jornalista ficará com a roupa toda amassada e também poderá perder o gravador e o bloquinho de anotações no trajeto. Se o motorista do ônibus for daqueles que dão uma freada brusca antes de parar em cada ponto, há ainda o risco de uma gravidez indesejada.
3.
Ir a uma coletiva de imprensa que não despertou o menor interesse do jornal apenas para filar o almoço. O jornalista finge que prestou atenção na entrevista, finge para o assessor de imprensa que vai dar um espaço legal para o assunto na edição do dia seguinte e devora o filé mignon ao molho madeira sem qualquer outro fingimento.
4.
Pedir para o garçom do almoço acima preparar uma quentinha que o jornalista finge que vai levar ao motorista que ficou do lado de fora do evento. É um dos sintomas mais tristes da pobreza. Na verdade, será o jantar do jornalista naquela mesma noite.
5.
Participar de uma entrevista concorrida, cheia de empurra-empurra, com dois microfones e um gravador nas mãos. O repórter de rádio/TV/internet chega a lembrar um daqueles deuses hindus que têm um monte de braços. Ele faz malabarismos para conseguir captar o áudio. Se falhar, pode perder um de seus três empregos. Ah, ele tem também um quarto emprego, meio período como assessor de imprensa na prefeitura.
6.
Levar o filho, que mora com sua ex-mulher, ao cinema para assistir ao filme “O Guerreiro Didi e a Ninja Lili”, com um par de ingressos que estava esquecido numa mesa da redação e não despertou a cobiça de nenhum outro jornalista. Ao fim do filme, o filho, que já tem uns 15 anos, vai, com certeza, dizer ao pai: “Da próxima vez, a gente poderia ver X-Men ou algum outro filme mais interessante?”.
7.
Ficar do lado de fora de um evento chique, de artistas ou políticos, e, com aquela cara de cão faminto, tentar descolar comida e bebida com um segurança da casa. O grupo, geralmente, é liderado por um fotógrafo desinibido – aliás, fotógrafos são todos desinibidos –, que faz a negociação com o segurança. Quando enfim chegam os salgadinhos gelados e o prosecco sem gás, os jornalistas disputam os restos, numa cena comovente e chocante, digna de ser registrada pelas lentes de Sebastião Salgado.
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