A cartomante
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A cartomante


Acordei com o telefone. Era uma amiga, também jornalista, com uma proposta indecente. Ela queria me levar a uma cartomante, mãe Alzira. Insistiu, disse que a mulher era boa, que acertava tudo e sempre. Desde que li o conto “A cartomante”, do Machado de Assis, ainda na juventude, passei a desacreditar nessa gente que adivinha o futuro. E mais: estamos velhos demais para novas ilusões, disse à minha amiga. Mas ela insistia. As cartas poderiam dar uma pista sobre meu futuro profissional, quando voltaria a arranjar um novo trabalho legal. Será que rola um “trago seu emprego de volta em 10 dias?”, pensei.

- Na semana passada, mãe Alzira me disse que o meu ex-namorado, aquele que tinha me abandonado, voltaria a me procurar. Batata, Duda! Anteontem, ele reapareceu em casa!

Não teve jeito. Foi o tempo de tomar um banho e estávamos, minha amiga e eu, no metrô, rumo à casa da mãe Alzira. Eu fazia uma imagem clássica da vidente, estilo cigana, roupa colorida, maquiagem forte. Mas mãe Alzira era clean até demais.

- É problema de amor, meu querido?

- É problema de emprego, respondeu minha amiga. Ele está procurando emprego.

Mãe Alzira puxou umas três cartas, virou uma delas na mesa.

- Estou vendo um novo emprego para você, meu querido. E é coisa boa, salário alto, cargo importante, talvez diretor.

- Acho que a senhora tá fazendo confusão. Sou jornalista. Talvez as suas cartas não saibam, mas jornalista ganha mal demais.

- Está aqui, meu querido. Sabe que arcano é esse? Ele indica sucesso profissional, grande prosperidade financeira. Você vai brilhar muito no seu novo emprego.

- Me desculpe, mãe Alzira, mas está rolando um grande mal-entendido aqui. Já falei, sou jornalista, não sou engenheiro, nem fiz MBA em Marketing ou Gestão Estratégica...

- De repente, você vai mudar de área. Novos caminhos...

- Não consigo mudar. Eu adoro a minha profissão, mesmo ganhando mal ou nem ganhando.

Poucos minutos depois, minha amiga e eu estávamos novamente no metrô, sentados lado a lado, calados.

- Você ficou bravo comigo, né, Duda? Não curtiu a mãe Alzira.

- Achei a experiência ótima. Está me dando até inspiração para escrever um post sobre isso no blog.

Ela sorriu. E novamente ficamos calados.

- E você não me contou sobre a volta de seu ex-namorado! Estão juntos novamente?

- Então, Duda, ele voltou anteontem para a nossa casa, mas foi só para pegar um joystick do videogame que ele tinha esquecido. Disse que rolaria um “supercampeonato” com os amigos. A mãe Alzira acertou que ele voltaria, só omitiu essa parte do joystick...

Olhamos um para outro e gargalhamos, gargalhadas nada discretas no metrô.



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