24 horas na vida de uma mulher
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24 horas na vida de uma mulher


Estava observando os livros de bolso na banca e o título deste me conquistou. Stefan Zweig é um novelista austríaco que mudou-se para o Brasil mais tarde em sua vida e dizia gostar em demasiado da pátria canarinha. Apesar disso, suicidou-se em Petrópolis, em 1942, deixando uma carta de despedida da qual tirei alguns trechos:

"Antes de abandonar a vida por vontade própria e em plena lucidez, sinto necessidade de cumprir um último dever: agradecer profundamente ao Brasil, este maravilhoso país que me proporcionou, assim como ao meu trabalho, um descanso tão amigável e tão hospitaleiro."

Ele continua a carta dizendo amar o Brasil mas que, estando com mais de sessenta anos, não sente mais forças para recomeçar uma vida, então prefere partir impacientemente antes de seus amigos que ficam.

O livro "24 horas..." começa bastante interessante. Um jovem chega a uma hospedagem onde já viviam várias pessoas. Simpático, jorra uma energia radiante ao seu redor e todos rapidamente simpatizam com ele. Fica então uns dois dias por ali e vai embora apressadamente. Em seguida, um sujeito casado com duas filhas dá por falta de sua esposa e logo percebe que ela o abandonou para fugir com o tal jovem que acabara de chegar! O relato de Zweig tem uma cadência interessante, descrições bem moldadas das ações e sentimentos dos personagens e uma argumentação extremamente sensata e lúcida. Tal argumentação se dá pela discussão que se segue ao desaparecimento da mulher, onde todos os hóspedes da casa pensam ser absurdo que ela tenha fugido com o rapaz tendo-o conhecido apenas dois dias antes -- sendo que era casada e tinha filhos; uma mulher de respeito. O narrador-personagem, entretanto, defende a posição de que a mulher poderia muito bem ter fugido por uma paixão repentina e violenta. E assim se instaura uma discussão das mais interessantes que eu já tenha lido e que o narrador argumenta maravilhosamente ao defender sua posição e evidenciar os preconceitos alheios. Uma velha que por ali estava, inglesa e caladona, entende o argumento do narrador -- que os outros personagens todos duvidavam com vigor -- e a discussão se dá por encerrada. Na minha opinião, esta é a melhor parte do livro.

Depois disso, a mulher inglesa -- velha e caladona -- se revela também tendo se deixado apaixonar por um homem em apenas 24 horas e o resto do livro é um relato dessas vinte e quatro nas quais ela se deixou enganar e humilhar por um homem que jamais conhecera antes. O homem era um jogador inveterado e ela vira nele emoções vivas que nunca antes vira em outro -- ao olhar para suas mãos, que era seu costume. Pois que o homem perdera tudo no cassino e parecia não dar mais valor a vida. A velha, vinte e cinco anos antes do relato, diz que tentou ajudá-lo, levou-o a um hotel, dormiu com ele, deu-lhe brincos caros para que comprasse a passagem de volta à sua cidade no dia seguinte. Combinou com ele de chegar à estação para encontrá-lo antes que ele se fosse. Nesse meio tempo uma profusão de sentimentos vão na cabeça da mulher, que se entende apaixonada pelo rapaz e decide voltar com ele para sua terra natal, tendo arrumado as malas para partir. Porém, chegou atrasada e perdeu o trem. Desconsolada, a mulher decidiu refazer todo o trajeto que havia feito com o rapaz; fosse para se consolar ou para tê-lo mais perto de si. Então, quando ela voltou ao cassino, eis que lá estava o homem -- gastando seu dinheiro na roleta -- e perdendo seguidamente. O homem então a humilha publicamente quando ela vai pedir a ele satisfações, dizendo a todos, em alta voz, que ela lhe dá azar e que deveria sair dali. Esse episódio chocara-a demasiadamente e assim termina seu relato, tendo ela posteriormente fugido da humilhação ao vagar perdida entre os países europeus até chegar aquela hospedaria anos antes.

Algumas citações interessantes:

"(...) argumentos aos quais se recorre no calor de uma briga de mesa são geralmente banais porque apanhados às pressas e com a mão esquerda."
Sem dúvida!

"Não posso dizer quanto tempo durou aquela horrenda situação: tais segundos correm em outro tempo do que esse com que medimos nossa vida."
Ah, como existem desses segundos em nossas vidas...

"Tudo aquilo tinha sido um acaso, uma embriaguez, uma possessão de duas pessoas confusas (...)"
'Possessão de duas pessoas confusas' parece algo nem tão difícil assim de acontecer.

"E na verdade desejava ardentemente uma pausa, uma distensão daquela emoção violenta demais. Pois era felicidade em excesso."
Também não estamos querendo felicidade demais. A vida é como no samba, que tem aquela beleza que vem da tristeza...

"Toda dor é covarde, recua diante do chamado mais forte da vida, mais solidamente instalada em nossa carne do que toda a paixão que nosso espírito possa ter pela morte."
Engraçado alguém que tenha escrito isso ter se suicidado.

"Mas afinal o tempo tem um poder profundo, e a idade, um singular domínio sobre todas as emoções."
Engraçado alguém que tenha escrito isso ter se suicidado.



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