Coisas e Coisas
O JORNALISTA, A MENSAGEM, O DESTINATÁRIO E A FORÇA DESTE
1) Enquadramento prático
No
Expresso de ontem, no caderno de Economia, o jornalista Nicolau Santos escreveu um texto que intitulou “Quatro notas sobre a Galp”, sobre o actual processo de privatização parcial da Galp (33,34%), empresa ocupada na extracção de petróleos, refinação e distribuição de combustíveis. O Governo havia nomeado um grupo de sábios para estudar e classificar as propostas a concurso, tendo indicado que a mais interessante para o Governo seria a da Petrocer (com 63% dos pontos), seguindo-se o grupo Mello (com 56% dos pontos) e a Luso-Oil (com 41% dos pontos).
No primeiro parágrafo, o jornalista escreve: “A campanha de desinformação sobre a Galp conheceu esta semana mais um ponto alto. O objectivo é claro: tentar que o processo volte à estaca zero”. E, no último parágrafo, volta ao mesmo assunto: “A quem serve esta campanha de desinformação? Como é óbvio, a alguém que não gosta do rumo que o processo tomou. É essa a mão que embala estas notícias”.
Percebe-se, perfeitamente, que a mensagem se dirige a alguém em preciso. Sem armar teoria, agora, devo dizer que o jornal custa muito dinheiro (€3), trazendo muito material (destacáveis) de peso informativo nulo, mas tão só comercial. De um jornal espera-se que as notícias sejam claras, se dirijam aos leitores que compram o jornal e não a um só destinatário.
2) O desvendar do destinatário
Por acaso, li nesta sequência: primeiro,
Expresso, depois,
Público. E a chave estava neste último jornal, na página dos Media. Então, e o que dizia a notícia, assinada por João Manuel Rocha e Paulo Miguel Madeira? Tão simplesmente que o banco Espírito Santo, ligado à proposta perdedora da privatização da Galp, retirara as campanhas de publicidade nos media do grupo Impresa (
Expresso,
Visão e SIC) por causa de um artigo publicado a semana passada sobre o assunto da privatização.
Pelo meio, estiveram cartas trocadas entre os patrões do BES (Ricardo Salgado) e da Impresa (Pinto Balsemão). As campanhas de publicidade do BES saíram do
Expresso, mantendo-se apenas uma tarja do banco a propósito da selecção de futebol, mas até isso deve desaparecer. Curiosa, segundo o
Público, a reacção do presidente da Impresa, ao alegar que o artigo publicado na semana anterior, de autoria de Jorge Fiel (meu velho colega da licenciatura, que não mais voltei a encontrar), é um artigo de opinião e só o vincula a ele.
3) Qual o papel do leitor?
É, pelos vistos, ler muitos jornais, para perceber melhor o que querem dizer certas notícias. A notícia publicada na página habitual do subdirector do
Expresso – do qual eu aprecio a lucidez e coragem – não corresponde aos critérios habituais de um jornalista empenhado em ser objectivo.
Por outro lado, é interessante ver onde se colocam as notícias. Enquanto no semanário, o assunto foi tratado na secção de Economia, no diário o assunto transitaria para a secção dos Media. Compreende-se: a notícia não tem valor de economia, mas fala de um outro jornal, porosidade de relevo se nos lembrarmos que o núcleo inicial do
Público (1990) veio do
Expresso, o que significa cumplicidades entre jornalistas de dois jornais.
4) Não há regulação para este tipo de situações?
Quando estudei (e continuo a fazê-lo, embora com um ritmo mais lento) a relação entre fontes de informação e jornalistas, observava que certas fontes têm armas poderosas junto dos media, como a retirada de publicidade sempre que as notícias não sejam favoráveis, medida de pressão que não devia existir em mercado aberto. É este o caso presente. O tema é ainda mais subtil, dada a boa relação entre o BES e a Impresa em anos recentes, como informa o
Público, quando o banco apoiou o grupo de Balsemão num período financeiro menos bom.
Pergunta: não haverá uma entidade económica capaz de observar e arbitrar tal tipo de situação? E não se devem obrigar os jornalistas a declararem tudo na notícia sem subterfúgios ou frases enigmáticas? É que, para além de tudo, enquanto leitor, fiquei defraudado ao ler a notícia escrita por Nicolau Santos.
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