Coisas e Coisas


NOTICIÁRIOS TELEVISIVOS E OPINIÃO PÚBLICA

Num momento em que se recordam S&S, os dois antigos comentadores políticos dominicais da RTP, agora investidos em novas funções (Pedro Santana Lopes em Primeiro-ministro; José Sócrates como presumido dirigente máximo do principal partido da oposição), nada melhor do que seguir um texto teórico pertencente a Arnaud Mercier (Le journal télévisé et l’opinion publique, 2003). Devo acrescentar, o que também se comentou nos últimos dias, que o criador do debate semanal de S&S foi Emídio Rangel, que dizia que a televisão pode fabricar um presidente como vende um sabonete. O então director de programas da SIC implantaria o modelo do frente-a-frente entre S&S na sua mais recente mas menos demorada passagem pela RTP. E uma jornalista da televisão pública, Judite de Sousa, seguiria tais passos ao incluir, nas últimas semanas e sequencialmente, os dois homens no seu programa de entrevistas. Obviamente, o texto - de que apresento aqui uma súmula - não responde a estas questões tão específicas mas lança um olhar científico ao modo como a televisão e os espaços de informação trabalham a gestão da imagem e fabricam candidatos.

Opinião pública

Para Arnaud Mercier, os media desempenham um papel importante: 1) pelo impacto social, 2) pela comunicação entre governantes e governados. Dentro deles, e porque estuda especialmente o noticiário televisivo, encontra três dimensões na sua relação com a opinião pública: 1) lugar que forja a opinião pública, 2) a informação televisiva orienta opiniões e comportamentos, 3) o jornal televisivo liga-se aos que procuram influenciar a opinião pela persuasão.

Ora, o que é a opinião pública? É, para Mercier, uma construção social, uma representação do que se julga que a população pensa sobre as questões da actualidade. Por definição, concebe-se como um agregado de opiniões individuais mais ou menos convergentes, como uma convergência de aspirações de múltiplas categorias de população. Onde os jornalistas têm um lugar importante. Durante muito tempo, os editorialistas foram os verdadeiros barómetros da opinião. Hoje, o seu lugar está, de certo modo, preenchido pelos comentadores políticos e pelas interpretações de sondagens. Por outro lado, a opinião serve como caixa de ressonância numa mobilização colectiva ou serve de meio de pressão sobre os governantes. Mercier sustenta que a opinião pública tem efeitos reais: no caso de uma crise, a tomada de posição de um líder de opinião pode ser decisiva (editoriais, sondagens, entrevistas). A informação proposta pode impor uma agenda de questões face às quais os governantes se posicionam, tomam a palavra ou reagem activamente.

Os media exercem uma série de efeitos directos, forjando a nossa visão da realidade e favorecendo ou não o envolvimento cívico, redefinindo a agenda das nossas prioridades políticas ou persuadindo os eleitores a mudarem as suas preferências políticas. Por isso, a interpretação da relação entre mensagem política e media torna-se central. Passa-se da questão “quem forma a agenda do público” para “quem forma a agenda dos media”, pelo que urge estudar as interacções entre jornalistas e as suas fontes e as campanhas de sedução destas. O fenómeno da telegenia contribui para o desenvolvimento de novos princípios de selecção do pessoal político, em que o primeiro critério é a aptidão de “passar bem” no noticiário televisivo e nas emissões políticas. Os jornalistas são os primeiros marcadores do acontecimento, e eles fazem-no introduzindo uma dimensão humana, designando os “bons” e os “maus”.

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[para além do texto citado nesta mensagem, destaco o livro de Arnaud Mercier, editado em 1996 pela Press de Sciences Po, de Paris, com o título Le journal télévisé, uma obra fundamental para a compreensão dos noticiários de televisão]

O jornal televisivo e as estratégias de persuasão

A televisão faz com que os actores sociais e políticos se adaptem as novas exigências impostas pela televisão. O noticiário televisivo torna-se uma ligação de estratégias sedutoras que visam passar uma mensagem persuasiva para o seu público. Além disso, ele tem efeitos sobre a opinião no sentido em que a cenarização e a codificação do modo de apresentação dos factos induz nos actores sociais a obrigação e a possibilidade de adaptação a lógicas mediáticas. Tal adaptação tem três formas: 1) marketing, 2) manipulação da informação, e 3) reorientação da acção pública. A informação televisiva conduz ao fenómeno da personalização do poder, em que a necessidade de criar imagem e audiência leva os jornalistas a personalizar a informação e a procurar “vedetas” políticas, reduzindo os debates de ideias a lutas de pessoas e as campanhas eleitorais a corridas de cavalos. Em busca da notoriedade, por um lado, e do scoop ou audiência, por outro lado, os homens políticos e os jornalistas de televisão entram numa nova lógica de funcionamento, em que o “mediático” ganha valor sobre o “mediatizado”. Resumindo, os media veiculam informação mas mais intenção persuasiva e publicidade, podendo passar mesmo ao lado do essencial da sua missão.

Relevam-se duas tendências, sinteticamente. Por um lado, a acção política torna-se mais “acontecimental”. Face à complexidade da decisão político-administrativa e à dificuldade em avaliar o impacto real da acção política, a política de “fazer conhecer” é um complemento indispensável da acção pública e talvez a sua única realidade. Por outro lado, o choque das temporalidades paralisa a acção política. Através do recurso diário a sondagens, os media impõem a pressão de uma legitimidade do efémero. A pressão conduz alguns governantes, que querem ser reeleitos, a evitar tomar medidas impopulares. Ou seja: o jornal televisivo é um instrumento de governação da opinião pública.

Leitura: Arnaud Mercier (2003). "Le journal télévisé et l’opinion publique". Em Pierre Bréchon (dir.) La gouvernance de l'opinion publique. Paris: L'Harmattan, pp. 169-180 [Actes des 5èmes entretiens de l'IEP de Grenoble, 2-3 Maio de 2000]



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