Coisas e Coisas
DUAS MULHERES, DOIS DESTINOS - OU COMO O PESO DOS MEDIA É FORTE
Um destes dias, estando a preparar um texto sobre audiências, reparei no percurso de duas artistas da música e da rádio (uma delas ainda mais conhecida no cinema). O motivo de as trazer aqui foram duas fotografias com elas junto a um microfone (uma delas é-me impossível reproduzir), significando ou a gravação de um disco ou a presença num espectáculo. Ambas tiveram uma enorme reputação nos Estados Unidos:
Judy Garland e
Kate Smith - provando a grande influência dos media no seu conhecimento. O que foram e o que representam hoje, eis a razão desta mensagem, que é uma modesta homenagem às duas.
Judy Garland
O feiticeiro de Oz será um dos filmes que mais vezes vi na televisão. Houve anos em que não havia Natal que a televisão pública não o passasse: primeiro vi-o a preto e branco, depois apareceu colorido. E a canção com a letra
"Somewhere over the rainbow/way up high,/there's a land that I heard of/once in a lullaby./Somewhere over the rainbow/skies are blue,/and the dreams that you dare to dream/really do come true" fica gravada na nossa memória, mesmo que gasta ou usada para outros objectivos. Actriz: Judy Garland [imagens retiradas do sítio Judy Garland Data Base, de Jim Johnson].
Nascida Frances Ethek Gumm, em 1922, no Minnesota, cedo conheceu as artes musicais e da representação, associada aos pais e às duas irmãs mais velhas, mais tarde as
Gumm Sisters. De Los Angeles, para onde a família fora viver, a mais nova das irmãs Gumm era aquela a quem as audiências mais prezavam. Numa visita a Chicago, elas mudariam o nome para
Garland Sisters. Em 1934, teriam um grande sucesso em Los Angeles. Após uma audição com o patrão da MGM, Louis B. Mayer, a mais nova das irmãs torna-se Judy Garland. Entrava para o difícil mundo do cinema. O seu primeiro êxito deu-se com o terceiro filme
Broadway Melody (1938), em que cantou
Dear Mr Gable. Depois, em 1939, foi o enorme sucesso
O Feiticeiro de Oz, em que cantou
Over the rainbow, a canção a que sempre apareceria ligada em toda a sua vida.
Judy Garland ainda estava em idade de crescimento físico. Como muitas adolescentes, ela tinha uma tendência para ganhar peso, problema que se arrastou pela vida, tomando remédios para manter uma certa linha adequada aos estereótipos do cinema. A ingestão de anfetaminas para perder o peso afectá-la-ia física e psiquicamente e influenciá-la-ia mesmo na sua vida sentimental, muito desequilibrada. Ela casou cinco vezes, tendo três filhos.
Em 1941, e contra a vontade da mãe e dos estúdios da MGM, casou com David Rose, de quem se separou quatro anos depois. A carreira no cinema continuava cheia de sucessos:
For Me And My Gal (1942),
Presenting Lily Mars,
Thousands Cheer e
Girl Crazy (todos em 1943),
Meet Me In St. Louis (1944),
The Harvey Girls,
Ziegfeld Follies and
Till The Clouds Roll By (todos em 1946). Em 1945, casaria com Vincente Minnelli, que a dirigiu em
Meet Me In St Louis. No ano seguinte, nascia a filha Liza Minnelli. O final dos anos 1940 trouxeram novos êxitos como
The Pirate,
Easter Parade e
Words And Music (todos em 1948) e
In The Good Old Summertime (1949).
Começava um período pessoal difícil: medicamentos, álcool e distúrbios emocionais levaram-na a trabalhar menos e a acabar com o contrato com a MGM. Em 1951, separa-se de Minnelli, enquanto tenta suicidar-se. O casamento com Sid Luft trouxe alguma calma e brilho profissional. Fez uma viagem à Europa, aparecendo no Palladium de Londres. Depois, em Nova Iorque representaria no Palace Theater. A sua carreira resumir-se-ia nesse período a um papel em
A Star Is Born (1954), para o qual fora nomeada para um óscar. Os problemas pessoais regressariam, tentando outra vez o suicídio. Um novo papel em
Judgement At Nuremberg (1961), para o qual fora nomeada de novo para um óscar, melhorou a sua reputação. Mas o casamento estava em perigo. apesar de ela e Luft falarem em reconciliação, até porque tinham duas crianças, Lorna and Joey.
Em 1961, o sucesso voltaria a sorrir a Judy Garland, quando apareceu em Abril de 1961, no Carnegie Hall, de Nova Iorque. O concerto gravado render-lhe-ia cinco prémios Grammy. A partir daí a sua carreira resvalou. Em 22 de Junho de 1969, ingeriu um quantidade fatal de calmantes [informação trabalhada com base em Oldies.com]. A América e o mundo choraria esse desaparecimento precoce, ficando os seus filmes e discos.
Judy Garland trabalhou 45 dos seus 47 anos de vida. Fez 32 filmes, deu a voz a mais dois, foi estrela em 30 programas de televisão. Gravou cerca de uma centena de singles e 12 álbuns.
Kate Smith
Kathryn Elizabeth Smith nasceu em 1907, em Nova Iorque. Desde muito cedo despertou para a música e a dança. Seria descoberta por um produtor novaiorquino em 1926. Depois, em 1930, passou para a Columbia Records, sendo o vice-presidente Ted Collins seu companheiro e gestor, levando-a também para a rádio (1931), fazendo imediato sucesso.
1943 foi o ano de marca de Kate Smith, ao cantar
God Bless America, de Irving Berlin. Ela começara a gravar discos logo em 1926. Dos seus principais sucessos, contam-se
River, Stay 'Way From My Door (1931),
The Woodpecker Song (1940),
The White Cliffs of Dover (1941),
I Don't Want to Walk Without You (1942),
There Goes That Song Again (1944),
Seems Like Old Times (1946), and
Now Is the Hour (1947). Nos anos de 1950, ela gravou álbums.
Kate Smith teve o programa mais popular de entetenimento em rádio com o seu próprio nome,
The Kate Smith Hour, que esteve no ar entre 1937 e 1945. Em 1950, Kate saltava para a televisão com um programa de entretenimento de segunda a sexta-feira, o
Kate Smith Hour (1950-1954). A sua última série foi
The Kate Smith Show, com a duração semanal de meia-hora nos anos 1960 na CBS. Morreria em Raleigh, NC, em Junho de 1986 [informação recolhida em katesmith.org].
De Kate Smith conta-se a seguinte façanha, após a entrada dos Estados Unidos na II Grande Guerra. Para obter financiamento para o esforço da guerra, os americanos - como tinham feito no conflito de 1914-1918 - criaram bónus de guerra, uma espécie de investimento. A 21 de Setembro de 1943, Kate Smith estaria 18 horas seguidas num programa de rádio da sua Columbia Broadcasting System, para persuadir o público a comprar os bónus de guerra. Conseguiu vender 39 milhões de dólares de bónus! A popular artista provava assim o grande efeito do meio rádio.
Conclusão
Para a posteridade,
Over the rainbow e
God bless America são as marcas principais de Judy Garland e Kate Smith, respectivamente, uma representando o sonho e a magia na infância, outra o estado adulto de uma Nação forte, que sabe fazer a sua redenção num momento de grande dificuldade [o
God bless America voltou a ser cantado no 11 de Setembro de 2001]. Tendo os media como transmissores.
Por outro lado, quer
Over the rainbow quer
God bless America surgem no período antes e durante a II Guerra Mundial, num momento de grande expansão económica e cultural americana, em que cinema, rádio, discos e, depois, televisão eram as cartas da cultura mundial. Quando as teorias da comunicação falavam em efeitos moderados dos media (
two step flow of information e líderes de opinião, ou a
teoria dos efeitos limitados, de Paul Lazarsfeld e colegas). Mas Robert Merton, exactamente quando analisou a maratona de Kate Smith na rádio, começava a delinear aquilo que seria chamada a
teoria dos usos e gratificações. A uma crescente hegemonia cultural (e política e económica) correspondia uma teoria interpessoal na comunicação, fraca porquanto desvalorizava o impacto dessa cultura de massa.
À nossa escala, talvez pudéssemos encontrar semelhanças com Beatriz Costa (música e cinema) e Maria Alice (rádio e música), mulher do produtor discográfico e comerciante Valentim de Carvalho. Mas estas estórias ficam para outra ocasião.
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No filme The Clock (A hora da saudade, 1945), Judy Garland (1922-1969)...
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