Coisas e Coisas


OS DIVERTIMENTOS ANTES DAS INDÚSTRIAS CULTURAIS

"Em época que já vai distante, o espectáculo das esperas de toiros constituía o mais agradável divertimento para os aficionados e não aficionados", escreveu José Pedro do Carmo, em 1943, no seu livro Evocações do passado (p. 19).

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Elas acabaram como desapareceram outras actividades, comemorações e festas: "as procissões; os círios do Cabo e da Atalaia, com as suas fogaças e os seus bentinhos; os festejos do Santo António, S. João e S. Pedro e as respectivas marchas aux-flambeaux, o mangerico, a alcachofra e o trono com a bandeja à espera dos cincorreizinhos para o Santo António; o Carnaval livre, para cada um brincar a seu modo" (pp. 22-23) [imagens: a da esquerda, interior da praça de touros do Campo de Santana (1831-1889); a da direita, exterior da mesma praça]. Lisboa "urbanizava-se" no final do século XIX, "civilizara-se", como escreveu Nogueira de Brito no prefácio ao livro acima referido.

Para este mesmo prefaciador, era a derrocada dos recantos simpáticos, o desaparecimento das paredes caiadas, dos "sugestivos registos de azulejos", das hortas e do arvoredo caseiro atirado para longe, erguendo-se "caixotes esburacados de janelas uniformes a fingir de grandeza arquitectural". Acrescento eu: quando o livro foi editado, vivia-se uma época de efeito dos centenários (1940) e da segunda guerra mundial, com o recrudescer de valores etnográficos antigos (as paredes caiadas, as hortas).

Ainda para Nogueira de Brito, nascia um período de "fácil celebrização de artistas, a aura de certos ídolos que o Tempo guindou a alturas que jamais antevira uma Lisboa aparentemente modesta". Os prédios da cidade monumentalizavam-se e o povo passava a frequentar bares e restaurantes. E, no dizer do autor do livro, José Pedro do Carmo: "Presentemente o povo diverte-se, e diverte-se bem, com estes dois géneros de espectáculos: o cinema, produto estrangeiro, de origem francesa, que arruinou o nosso teatro; e o futebol, também estrangeiro, de procedência inglesa, que arrasou o que nós portugueses tínhamos de mais tradicional: as toiradas".

O texto, como escrevi acima, é de 1943, mas é profundamente antigo nos seus conceitos e objectivos. O cinema português tinha um certo desenvolvimento, certamente apoiado pelo Estado Novo, e o futebol já enchia muito espaço nos jornais e os desafios eram relatados na rádio. As indústrias culturais estavam apenas à espera da televisão, que transformou o futebol num dos géneros (!) televisivos mais apreciados: nos dias de hoje, há sempre transmissão de jogos, pelo menos para quem tem televisão por cabo.

A edição do livro coube à Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade.



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