Coisas e Coisas
A MIGRAÇÃO DIGITAL – ALGUMAS PÁGINAS DO LIVRO DE LORENZO VILCHESSe, em McLuhan, o destino da tecnologia é unificar a realidade social, vivendo numa aldeia global e acústica onde pensamento e acção cooperam como se fosse um macro concerto simultâneo, os pós-modernistas e os desconstrucionistas recusam tais postulados fundacionais. Baudrillard, por exemplo, fala da hiper-realidade, universo de signos que produz o real.
Mas Vilches encontra uma relação entre as duas posições, a construída entre imagem e realidade. A imagem virtual é o meio que cria a realidade. A imersão do utilizador numa realidade virtual altera a própria existência; a realidade surge como algo mais pobre que a experiência virtual.
Docente na Universidade Autónoma de Barcelona, Vilches anota outra perspectiva, a do fascínio da cultura dos media (leia-se: audiovisuais) pelo fim do livro e da escrita.
São características do ciberespaço a eliminação da fronteira entre autor e leitor (espectador, utilizador) e o descentramento da escrita (linguística, audiovisual). As tecnologias do ciberespaço assinalam uma nova etapa na criação de conteúdos (artísticos, informativos) e anunciam o fim do sistema educativo e da universidade.
Contraria Vilches: na cultura do livro, os escritores escrevem mas são os editores que decidem o que se publica. Uma vez atingido o patamar de publicação e distribuição (livrarias, bibliotecas),
o livro adquire um estatuto de texto impresso permanente, o que dá autoridade ao autor pelo leitor conferida. Ora, o hipertexto não está impresso, não tem necessariamente um autor, não passou por uma autoridade de controlo de qualidade (editor), não custa dinheiro e o seu acesso faz-se por intermédio de um portal sem identidade espacial. Os hipertextos dialogam entre si por meio de ligações internas, são muito
inter-referenciais. O leitor do hipertexto desloca-se através de mundos mutantes e tentadores (Vilches, 2003: 155).
Embora pareça, o nosso autor não é um apocalíptico. Aliás, ele no começo do livro mostra a existência de duas versões sobre o desenvolvimento económico e tecnológico da nossa sociedade: 1) a optimista e utópica, que prevê uma sociedade mais igualitária e livre, 2) a crítica radical (2001: 11). Trabalhando vários temas (tecnologia, linguagem, conhecimento, recepção e audiências, imagem), ele analisa os prós e contras da migração do analógico para o digital. Sem uma conclusão visível e forte no seu livro, podemo-nos acantonar à sua perplexidade logo na segunda página do texto:
somos emigrantes de uma nova economia criada pelas tecnologias do conhecimento, com a suposição de caminharmos para um planeta muito tecnificado. A indústria das tecnologias da informação (e as indústrias culturais, acrescento eu) está a tornar possível a
existência de um movimento contínuo de produtores e consumidores em direcção a novas formas de comércio e de transacções.
Leitura: Lorenzo Vilches (2003).
A migração para o digital. São Paulo: Edições Loyola, pp. 148-155. Tradução de Maria Immacolata Vassalo de Lopes. 278 páginas, €12,60
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