Coisas e Coisas


PROFISSÕES DO LIVRO (I)

[postal dedicado a Manuel Bragado, do blogue galego Brétemas, e a todos os editores da Galiza]

O livro de Jorge Manuel Martins, como já aqui escrevi, é um importante contributo para a percepção do livro enquanto indústria cultural. Ele fala de sociologia do livro e avança para o campo da mediação, contextualizado na era digital, com o binómio livro/mediação (p. 22), numa época em que já ninguém anuncia a morte do livro (p. 312). O seu trabalho resulta do vaivém entre teoria, observação participante do autor e entrevistas a profissionais do livro (p. 23). Fundamentais nele são três grandes dimensões de análise: profissões, tecnologias e cultura (p. 364).

Esclarecendo melhor, o objecto de estudo aponta os actores sociais que intervêm “antes” do livro ser adquirido, não tratando da procura ou da recepção. De destacar a segunda parte, onde o autor estuda pormenorizadamente os vários mediadores dos campos da produção e difusão do livro, a saber: editores, gráficos, críticos e livreiros. Das perguntas de partida, Jorge Manuel Martins indagou a função dos actores sociais da mediação do livro e a sua articulação, assim como o contributo dos novos diplomados da área. E procurou responder à pergunta: o mediador do livro é pessoa de cultura ou pessoa de negócios?

Como se vai depreender deste postal, o autor coloca uma atenção especial nos editores. Faço uma citação de um profissional escutado pelo autor: “As cartas credenciais do editor profissional são os catálogos, ou seja, os livros que publica e as colecções que cria ou dirige” (p. 276). Mas, obviamente, também estuda as relações dos editores com os restantes mediadores – agentes envolvidos no processo de fabrico e venda do livro, igualmente interessados no bom funcionamento de todo o processo – como: 1) gráficos, designers e técnicos de artes gráficas, 2) livreiros, em vários canais de venda, e 3) críticos (p. 285).

Referências às indústrias culturais

O autor parte de duas definições de indústria cultural, segundo a Unesco. Em primeiro lugar, “convém procurar não substituir os objectivos culturais por objectivos puramente comerciais. […] As indústrias culturais, que integram os novos media, encaminham-se para se tornarem um dos sectores mais importantes da economia. […] As políticas de desenvolvimento podem comportar toda uma série de incentivos por parte dos poderes públicos” (p. 48).

Em segundo lugar, as indústrias culturais são “sectores que: (a) conjugam criação, produção e comercialização de bens e serviços, cuja particularidade reside na intangibilidade dos seus conteúdos, geralmente protegidos pelo direito de autor e cuja dualidade (cultural e económica) constitui o principal sinal distintivo; (b) incluem livros, revistas, música, audiovisuais, produtos multimedia, artes plásticas, cinema, fotografia, rádio, televisão, bem como artesanato e design; (c) em certos países, o conceito é alargado à arquitectura, às artes plásticas, às artes do espectáculo, aos desportos, ao fabrico de instrumentos de música, à publicidade e ao turismo cultural; (d) alguns preferem usar a expressão indústrias criativas (creative industries), alguns meios económicos falam de indústrias de expansão (sunrise industries) e os meios tecnológicos de indústrias de conteúdo (content industries); (e) em muitos países, durante a década de 90, o seu crescimento foi exponencial, em termos de criação de emprego e de contribuição para o PIB” (p. 330).

Com base nas definições, Jorge Manuel Martins defende que o livro é a mais importante das indústrias culturais, requerendo um clima de liberdades públicas e um ambiente económico e cultural favorável (p. 48). Como indústria cultural, o livro é uma indústria de criação, produção e difusão de bens e serviços, que veicula valores, reflecte identidades e constrói um contexto económico. E é onde se fala de diversidade ou excepção cultural (pp. 216-217), face à estandardização das regras da Organização Mundial do Comércio.

Da cadeia de valor à visão sistémica

O autor dá ênfase à visão integrada da cadeia do livro (pp. 107-108), naquilo a que eu chamaria de cadeia de valor do livro, e que tem os seguintes elos: (a) autores, incluindo escritores, redactores, ilustradores e fotógrafos, b) editores, incluindo peritos editoriais (caso de coordenadores editoriais, tradutores e revisores) e gestores, c) gráficos, incluindo designers e técnicos gráficos, d) agentes de difusão, incluindo os actores dos canais indirectos (distribuição, livraria, quiosque, grande superfície) e dos canais directos (clubes, correio directo, crediário, feiras, comércio electrónico) e críticos (jornalistas, publicistas, educadores e professores), e) leitores, como bibliotecas e consumidores finais. Jorge Manuel Martins não analisa este último elo.

Apesar da grande clareza nesta cadeia de valor, o autor considera-a ultrapassada, pelo que a terceira parte a enquadra numa visão sistémica e holística. Isto é, à cadeia do livro sucede a rede do livro e a rede de cooperação, reforçada pela internet (p. 310). Os traços principais desta cadeia sistémica e de rede são (pp. 192-193): 1) a produção já não é exclusiva do editor, pois autor, gráfico, livreiro e bibliotecário também podem ser editores; 2) antes fazia-se primeiro o livro e depois vendia-se, agora pelo print on demand é possível imprimir a pedido, desde que o original se encontre digitalizado, c) todos os mediadores do livro exercem poder, d) a gestão moderna não separa produção técnica e comercialização.

A cadeia sistémica constitui-se por fluxos de trabalho, indicadores de rentabilidade, mentalidades que mudam, maior envolvimento das pessoas, formação contínua e circulação da informação (p. 320). No novo ambiente, há três práticas do livro que importa realçar: qualidade, marca e embalagem (p. 225). Como um livro é diferente de um outro livro, fala-se em indústria de protótipo (p. 227), conceito aliás extensível a outras indústrias culturais como o disco e o filme. Por isso, para o êxito de uma obra são fundamentais as “assinaturas” do editor, do tradutor e do gráfico, mas também as “recomendações” do crítico e do livreiro (p. 228). Cada um destes mediadores, que selecciona, opera também a transferência da sua própria chancela para o produto de uma indústria cultural onde é protagonista. Sem esquecer que “o aspecto de visibilidade dos livros é muito difícil de gerir”, como confessou um dos profissionais em entrevista ao autor (p. 286).


Leitura: Jorge Manuel Martins (2005). Profissões do livro. Editores e gráficos, críticos e livreiros. Lisboa: Verbo. 390 páginas, preço: €29

[postal a continuar]



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