Coisas e Coisas
PROFISSÕES DO LIVRO (II)[postal continuado de 2 de Janeiro]
Sobre os diversos mediadores
Não me vou, aqui, debruçar em profundidade, sobre o papel dos vários mediadores, como o autor faz. Deixo apenas um pequeno registo. Assim, sobre o editor, Jorge Manuel Martins entende que o mediador é “alguém que intervém, que deixa ou não passar, pela sua porta, a mensagem” (p. 125). Há a clara noção de
gatekeeper, de decisor.
Na leitura diacrónica, elaborada na segunda parte do livro, Jorge Manuel Martins entende ter havido uma ditadura do escritor (segunda metade do século XX), a que se seguiu a ditadura do editor (século XX) e, com as indústrias culturais e o mito do mercado, a ditadura do cliente. Já neste século, parece assistir-se à ditadura de outros mediadores, como o tradutor e o gráfico (p. 155) [
fotografia do autor, feita por Raul Cruz e retirada da badana do livro].
No seu trabalho, o autor destaca os críticos (pp. 172-173), que animam o debate público, nas instâncias ligadas à educação e nos media clássicos e electrónicos. Ao assumirem esse papel de influenciadores na difusão dos livros, os críticos são alvo de especial atenção dos restantes mediadores. O blogueiro é testemunha desse interesse e releva a importância da “boa” imprensa para um livro passar. Uma das coisas más que pode acontecer a um livro é a crítica destrutiva (mas também a ignorância total do produto cultural). E Jorge Manuel Martins acrescenta: o jornalismo cultural deve ir além do texto literário e passar a referir o aspecto gráfico, como paginação e ilustração (p. 299).
O autor destaca ainda que as novas tecnologias impõem novas mediações, novos intermediários, diferentes dos empregues nas anteriores tecnologias (p. 93).
O livro em PortugalFica aqui um rápido esboço do que o livro contém. Jorge Manuel Martins fala do livro em Portugal (p. 66), em que há cerca de 155 empresas activas, mas nenhuma com a notoriedade das congéneres europeias [questão de dimensão financeira, também]. No nosso país, escreve o autor, ainda se conhecem as caras dos donos das editoras.
Em termos de produção, o livro escolar tem um peso muito grande (cerca de 45% do total), seguindo-se a literatura em geral e a literatura infantil e juvenil. Quanto a canais de distribuição, 46% são de venda porta-a-porta, correspondência e clubes (p. 68), 37% adquiridos nas livrarias e 17% nas grandes superfícies (valores de 1995, os quais devem estar desactualizados, em especial os respeitantes às grandes superfícies).
O alvo de interesse de Jorge Manuel Martins vai também para o livreiro, indicado como motor da edição (p. 229). Contabilizando cerca de 524 estabelecimentos de venda de livros, em Portugal, há uma clara preponderância de circuitos artesanais para esse pequeno conjunto de livrarias e um estatuto social do livreiro com identidade ainda a construir (p. 235).
Considerandos finaisA bibliografia que acompanha a obra é vastíssima e valiosa. Ela não cobre apenas o domínio da sociologia do livro mas também das indústrias culturais em geral, o que torna também esta secção um excelente espaço de consulta. Apesar do registo enciclopédico algo excessivo que se encontra em algumas páginas (o autor parece querer tratar todos os assuntos nas suas páginas, e que possivelmente poderiam ficar de fora para tornar a leitura mais ágil), trata-se, quanto a mim, de um dos livros indispensáveis publicados em 2005.
Acresce-se a carta de Fernando Guedes ao autor, e não um habitual prefácio, o que fica bem a ambos. Fernando Guedes é editor há mais de 50 anos na Verbo, onde Jorge Manuel Martins trabalhou durante muito tempo. Aliás, o autor comprova no seu livro um profundo conhecimento das profissões do livro, indo do editor até ao livreiro. O trabalho agora lançado resulta de uma tese de doutoramento que o autor defendeu no ISCTE, orientada pelo sociólogo António Firmino da Costa.
Jorge Manuel Martins é investigador do CIES-ISCTE (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) e presidente do IPLB (Instituto Português do Livro e das Bibliotecas) desde Julho de 2005. Publicou, entre outros textos, o livro
Marketing do livro, materiais para uma sociologia do editor português (1999).
loading...
-
Sobre Livros
Jorge Manuel Martins, cujo livro Profissões do livro. Editores e gráficos, críticos e livreiros (2005) comentei aqui e aqui, publicou uma separata ao mesmo livro, editada pelo Centro de Línguas e Culturas, da Universidade de Aveiro, com o título...
-
PERSPECTIVAS DIFERENTES OU COMPLEMENTARES ÀS MINHAS (I) Já este ano, aqui no blogue escrevi sobre o livro de Jorge Manuel Martins, Profissões do livro. Editores e gráficos, críticos e livreiros, em duas partes, 1 e 2. O autor é, neste momento, presidente...
-
PROFISSÕES DO LIVRO (I) [postal dedicado a Manuel Bragado, do blogue galego Brétemas, e a todos os editores da Galiza] O livro de Jorge Manuel Martins, como já aqui escrevi, é um importante contributo para a percepção do livro enquanto indústria...
-
LEITURAS DE HOJE (1) Em peça assinada por Leonor Figueiredo, no Diário de Notícias de hoje, fala-se do livro de Jorge Manuel Martins, Profissões do livro, a ser lançado depois de amanhã. Começa o artigo assim, citando o autor: "Não chega ter bons...
-
PÚBLICOS DE CULTURA No caderno "Actual" do Expresso de ontem, Jorge Martins, do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB), falou sobre públicos de cultura. Comentou ele: "Há dez anos fez-se o grande estudo da iliteracia, fizeram-se estudos...
Coisas e Coisas