Coisas e Coisas
CONTRA A INTERPRETAÇÃOOs textos incluidos no livro foram escritos por Susan Sontag nos anos 1960. Na revisitação à obra, trinta anos depois, escreveria ela: "Tenho consciência de que
Contra a interpretação é considerado como o texto quintessencial da era agora mítica conhecida como «os anos 60» (p. 353).
A autora chegara a Nova Iorque no começo dessa década [ela nascera em Nova Iorque em 1933, mas crescera em Tucson, no estado do Arizona, e estudara no secundário em Los Angeles, vindo a falecer em 2004], com vontade de se realizar como escritora, depois de uma "longa aprendizagem universitária (Berkeley, Chicago, Harvard), como Paris, onde começara a passar muitos Verões, com idas diárias à Cinémathèque [...]. Eram, Nova Iorque e Paris, exactamente como as tinha imaginado - cheias de descobertas, inspirações, do sentido da possibilidade" (p. 354).
Segundo Sontag esse era um tempo de ousadia, de optimismo, de desdém pelo comércio, começo do movimento contra a guerra do Vietname, como nos revela nas últimas páginas, de recuperação dessas actividades iniciáticas. Retenho mais duas ideias contidas das suas memórias: 1) a revelação do cinema ("sentia-me particularmente marcada pelos filmes de Godard e de Bresson. Escrevi mais sobre cinema do que sobre literatura"), 2) as polaridades (alta cultura/baixa cultura, forma/conteúdo, intelecto/sentimento).
É isso que se encontra em textos, aqui reunidos, como
Sobre o estilo (pp. 33-61),
Uma cultura e a nova sensibilidade (pp. 337-350) e
Uma nota acerca de romances e filmes (pp. 283-287) [
imagem retirada do sítio Susan Sontag] .
No primeiro, ela fala da pretensa distinção entre cultura literária-artística e cultura científica, a primeira vista como cultura geral e a segunda dedicada a especialistas, aquela aspirando à interiorização e absorção e esta a acumulação e exteriorização. Passando por T. S. Eliot e C. P. Snow, Sontag salienta a linguagem especializada das artes, como a pintura de Mark Rothko e Frank Stella e a dança de Merce Cunningham, com a necessidade de uma educação da sensibilidade, "cujas dificuldades e demorada aprendizagem se podem comparar pelo menos às dificuldades de aprender física ou engenharia" (p. 339).
A autora explica de outro modo no texto
Sobre o estilo, entendendo que os estilos já não evoluem lenta e gradualmente mas de modo rápido, sem "deixarem ao público tempo de respiração para se preparar" (p. 59). Para ela, uma obra de arte é perceptível quando se respeita o princípio da variedade e da redundância; senão, as "obras estão condenadas a parecer aborrecidas, feias ou confusas" (p. 60).
Já em
Uma nota acerca de romances e filmes, Sontag prefere enunciar as semelhanças e diferenças entre literatura e cinema, as suas grandes paixões estéticas. Depois de dizer que literatura e cinema nos oferecem uma visão sob o controlo do autor ("A câmara é um ditador do absoluto. Mostra-nos um rosto quando devemos ver um rosto, e nada mais") ou que existem correntes em cinema como em literatura (realismo, poesia), procura superar a relação existente entre o literário e visual, mas aceita a distinção entre análise e descrição ou exposição. Exemplos do primeiro tipo seriam os filmes de Bergman, Fellini e Visconti enquanto cinema psicológico, "que trata da revelação da motivação das personagens", ao passo que o segundo tipo de cinema, anti-psicológico e que trata "da transferência entre sentimento e coisas" seria o produzido por cineastas como Antonioni, Godard e Bresson.
Claro que os anos 1960 estão já esquecidos, ou melhor, como escreve a autora americana: "o espírito de dissidência [foi] sufocado, e transformado em intenso objecto de nostalgia. Os valores do consumismo capitalista cada vez mais triunfantes promovem [...] as fusões culturais" (p. 358). E termina assim: "Penso que não é errado ler, ou reler, hoje
Contra a interpretação como um documento influente e pioneiro de uma época que já passou. [...] Os juízos de gosto expressos nestes artigos poderão ter prevalecido. Os valores que lhes estão subjacentes, não".
Leitura (intermitente): Susan Sontag (2004).
Contra a interpretação e outros ensaios. Lisboa: Gótica
loading...
-
O Entrelaçamento De Culturas Na Obra De Gombrowicz
No ensaio intitulado "O Romance Polonês" (o texto original em espanhol pode ser lido aqui), publicado no livro "Formas Breves", Ricardo Piglia faz uma leitura de "Ferdydurke" a partir dos problemas culturais de um autor que pertence a uma cultura secundária,...
-
Cineclubes E Cinefilia - 2
Ontem, no seminário História da cultura de massas em Portugal no século XX - na Universidade Nova de Lisboa -, Paulo Jorge Granja (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) falou de Cineclubes e cinefilia: entre a cultura de elites e a cultura...
-
T. S. ELIOT E A CULTURA T. S. Eliot (1888-1965), poeta, crítico e editor, premiado com o Nobel da literatura em 1948, estudou em Harvard, na Sorbonne (Paris) e em Oxford. Nasceu nos Estados Unidos (Missouri), mas chegou a Inglaterra em 1914, onde trabalhou...
-
NA MORTE DE SUSAN SONTAG (1933-2004)
Recordo o seu texto A doença como metáfora e A sida e as suas metáforas (Quetzal Editores, 1998).
Escreve na página 132: "As doenças mais temíveis são as consideradas não apenas letais, mas também literalmente...
-
HENRI CARTIER-BRESSON (22.8.1908-3.8.2004)
As imagens e páginas que insiro de seguida foram retiradas, respectivamente, da Visão (12 de Agosto), DNA (13 de Agosto) e Expresso (14 de Agosto), fazendo-se acompanhar de textos e belas imagens do fotógrafo...
Coisas e Coisas