Coisas e Coisas
SIC CONSIDERA QUE ERC "ABUSOU" (DIÁRIO DE NOTÍCIAS)
SIC ACUSA ENTIDADE REGULADORA DE INTERFERIR NA SUA PROGRAMAÇÃO (PÚBLICO)
SIC ACUSA ERC DE ABUSO DE PODER (MEIOS & PUBLICIDADE)
Eis alguns títulos da resposta da SIC a "reparos feitos a certos aspectos da sua programação pela Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), em Junho passado, no contexto da renovação das licenças de emissão" (Público) . Na altura (28 de Junho), eu comentei, aqui, algumas das ideias veiculadas na deliberação da ERC, dizendo ser "um importante instrumento de análise sobre televisão comercial em Portugal".Agora, surge a resposta da SIC, após uma outra resposta da TVI - menos destacada nos media. Infelizmente, como não tenho acesso directo ao documento do canal, tomo como totalmente fiáveis as notícias sobre o mesmo. Assim, e segundo o Diário de Notícias, no documento lê-se: "A propósito da apreciação do pedido de renovação da licença (...), aproveitou [a ERC] para criar um verdadeiro caderno de encargos, abusando claramente dos poderes que nesta matéria a lei lhe atribui". À frente, continuando a seguir o mesmo jornal: ao considerar falhas na programação, a ERC "ou não renovava a licença com esses fundamentos ou, tendo-a renovado, como sucedeu, é porque considerou justificados os alegados incumprimentos". E, no Público, lê-se: "A ERC quis aproveitar o ensejo de uma mera renovação de licença para fazer doutrina geral sobre a programação" (continua o texto com comparações com a programação da RTP).Esta resposta da SIC merece ser analisada (pelo que dela nos é mostrado). Primeiro, devemos falar de partes interessadas. A SIC concorreu, no final dos anos 1980 ou começos da década seguinte, a uma de duas frequências para emitir televisão comercial. Havia um caderno de encargos. Na sua apreciação, a ERC disse que o canal cumpriu parcialmente, embora notando a falta de um noticiário e programação infantil. A que a SIC responde ter os programas Floribella e New Wave, apontados para públicos infanto-juvenis.A ERC é, como a sua designação indica, uma entidade que regula interesses públicos, no caso, aplicados aos media. É uma autoridade como a que zela pelo cumprimento de regras de trânsito (velocidade máxima e adequada forma física e psicológica do condutor, bom estado da viatura através de vistorias periódicas). Não se pode andar aos tiros na rua ou praticar actos que ponham a moral pública em xeque. Há um conjunto de restrições que se inscrevem no bem estar geral. É o que me parece o ponto essencial da ERC: zelar pelo cumprimento de normas previamente estabelecidas. A SIC é a contraparte, o que faz cumprir a regra do jogo (acção e reacção). Ou seja, o documento da SIC deve ser visto como uma normal tomada de posição numa sociedade democrática, embora não exceda esse estatuto. Se o lóbingue tivesse em Portugal um estatuto sério, a posição da SIC seria vista como um ponto de vista de expressão da sua posição (pressão) e mais nada além do que isso.A meu ver, o documento da SIC tem um ponto de exagero. Diz que, se a ERC encontrou tantos defeitos na programação da SIC, por que é que não a cancelou? Isto soa a radicalismo. Cancelar uma licença - até porque já tinha passado o prazo legal para tal - seria algo desastrado, e que ninguém de bom senso no país admitiria. Há investimentos, há contratos, há programas, há postos de trabalho. Em vez de uma atitude incompreensível, a ERC tomou a única posição admissível - a da renovação da licença. E, quanto a mim, marcou uma posição - agora, a entidade reguladora pretende que seja cumprido cabalmente o caderno de encargos inicial (ou aquele que resultou de alterações que canal de televisão e Estado ou seu representante acordaram). A anterior entidade (AACS) tinha contradições, e a nova entidade parece-me não as ter (ou pelo menos do mesmo tipo).Há um terceiro ponto, e que retiro do texto do Público. Segundo a SIC, a ERC esqueceu-se de apontar os aspectos positivos do canal. Eu concordo, pois não me parece haver no texto da entidade reguladora nada a esse respeito. Mas a pergunta que se faz é: e não foi para isso que se concedeu a licença?Um quarto ponto, e já fora da apreciação do documento da SIC, é o da posição do jornalismo perante um documento. Os textos que li são descritivos, factuais, dependem de uma fonte, não desconstroem o que essa fonte diz. Uma fonte de informação quando convoca uma conferência de imprensa ou emite um documento e o envia para os media tem um interesse específico em o fazer. O leitor fica desarmado se lê apenas esta notícia e não surge qualquer sinal sobre o interesse de quem faz as afirmações. Talvez amanhã ou no final do mês surja uma reacção da ERC, mas ela já não tem o peso da primeira afirmação (ou definição). Além de que nós simpatizamos mais com uma empresa privada do que com um organismo público, de quem nem conhecemos os seus responsáveis e o que fazem. O jornalismo também pode contribuir para esta (re)construção.
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