Um Homem Bomba
Coisas e Coisas

Um Homem Bomba






A mão segurando forte a peça de madeira.
O toque suave da madeira contra a pele.
A mão segurando forte a nuca do outro.
O toque suave da pele contra a pele.
A mão golpeando forte a lâmina contra o abdômen.
O toque da lâmina contra a pele.
Outra vez a mão.
Outra vez o toque.
E outra. E outra.
E outra.

Todas as noites tenho sonhado com isso. Eu, ali, de pé. A arma na mão. Sujo de sangue. E eu, ali, caído. Morto. Não tenho vocação para o suicídio. Me falta coragem. Ou tenho coragem demais para desistir de seguir vivendo.

Não tenho vocação para o suicídio – repito.

Dias desses, assistindo a TV, vi um homem-bomba.

Uma câmera de segurança, quase que sem nenhuma intenção, seguiu um homem por uma rua em direção a um hotel de luxo. Sem nenhum movimento suspeito. Calmo. Tranquilo até. Ele sentou-se no saguão do hotel. Folheou calmamente o caderno de esportes. Viu as notícias da página de variedades. Inteirou-se do aquecimento global.

Levantou e foi ao banheiro. Escapou da câmera durante uns 15 minutos. Achava-se até que já havia ido.

Voltou.

Sentou-se. Novamente.

Continuava calmo.

Tranquilo.

Nesse momento, pela porta do hotel, começam a entrar muitas pessoas. Muitas pessoas. De todas as formas e cores. De todos os tamanhos e idades. Sozinhas. Acompanhadas. Em família. Comendo sorvete. Falantes. Tristes.

Todas dirigem-se ao saguão do hotel.

Todas dirigem-se ao homem bomba.

Todas dirigem-se ao momento em que o homem vira a cabeça, sussurra algumas palavras e explode. Transforma-se em um clarão branco que interrompe a gravação.

Então, morrer é assim?

Acordo suado.
As mãos sujas de sangue.
Tento em vão golpear o clarão branco.
O toque suave da lâmina contra a pele.
Tento em vão segurar a nuca do homem bomba.
O toque suave da pele contra a pele.
Tento em vão me segurar à cama.
O toque suave da madeira contra a pele.

Então, morrer é assim?




Não tenho vocação para o suicídio.

Mas muitas vezes tenho vontade de me transformar em um clarão branco. Deixar que a vida termine num sussurro. Deixar que meus últimos momentos sejam imagens tranqüilas gravadas em uma câmera que não sei precisar onde fica. Sem nenhum movimento suspeito. Calmo. Tranquilo até.

Tranquilo até.





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