Savana líquida
Coisas e Coisas

Savana líquida



Daqui
da varanda do septuagésimo oitavo andar
vejo a cidade como quem olha uma savana da àfrika

Volta e meia
jogo (ou deixo cair) pequenos recados
algumas vezes escritos em papel
algumas vezes pedaços do próprio corpo
como quem lança mensagens ao mar

Venta muito aqui em cima

Um vento úmido e frio
que atravessa os ossos
e congela a visão

Daqui
da janela na varanda do septuagésimo oitavo andar
procuro por um sinal de fumaça

Algo (alguém)
que grite (sussure)
um poema (uma confissão)

Volta e meia
vislumbro um sinal
hesitante como um primeiro passo
como uma palavra pronunciada trôpegamente
como quem está bêbado ou é, ainda, um bebê

Venta muito em mim

Daqui
deste lugar
desta sensação
pressinto a tempestade

Aguardo o momento
o oportuno momento
em que serei gotas de chuva jogada sobre a terra
como quem lava (inunda) anos e anos de seca
como quem hidrata (irriga) todos os desertos do mundo

Eu
logo eu
que nunca pensei (nem em meus mais obscuros sonhos) ser possível
Eu
sim, eu
que nunca senti (nem em meus mais obscuros desejos) ser possível
Eu
daqui
da varanda do septuagésimo oitavo andar
sinto vibrar em mim algo que não sei o nome
estranho desejo que não sei traduzir em palavras
um movimento inesperado
algo que se nega ser atirado
algo que não se permite ser estirpado
que luta e retorna
resiste
persiste

Daqui
da janela na varanda do septuagésimo oitavo andar
vejo as luzes da cidade
estranho mapa
inimaginável território
e imagino
em algum canto
numa esquina ou
num quarto
você

Garrafa na mão
Cigarro no canto da boca
decidindo
se volta pro mar
ou se aventura

Você
logo você 
que não gosta muito de decidir coisas
que foge de aventuras
que lida melhor com aquários do que com o mar aberto
logo você
agarrou esse sinal
essa mensagem
esse pedido de socorro

Daqui
da varanda do septuagésimo oitavo andar
vejo a cidade
e espero
que
daí de baixo
Você
me veja também
Enfim.



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