O Hábito de Ler o Que Não Está Escrito
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O Hábito de Ler o Que Não Está Escrito


A capacidade de ler envolve muito mais do que reconhecer os símbolos que estão impressos num papel. Envolve também ter a capacidade de reconhecer referências externas e analisá-las. Não é preciso dizer, portanto, que quanto mais se lê, melhor leitor você se tornará. Isto é tão importante que muitos leitores amam um livro que outros detestam, pelo simples fato de que conseguiram reconhecer certas referências que o escritor utiliza. Às vezes o escritor constrói toda uma história com base em referências que não estão explícitas em sua obra, o que faz com que tenhamos que buscar mais conhecimentos sobre estas referências, se ainda não o temos. O fato de alguns não terem conhecimento destas referências faz com que muitos afirmem que uma obra é ruim, apesar de ser amplamente elogiada. O pior é que às vezes a pessoa que afirma que uma obra é ruim não faz idéia sequer do porquê. Resumem seu ponto de vista, afirmando que a obra é ruim porque não dá para entender nada. Ao contrário do que estes pensam, bons escritores não são elogiados por escreverem de modo a não serem entendidos. Escrevem e provocam algum tipo de reflexão e transformação.

Para exemplificar como é importante reconhecer referências em uma obra, tome por exemplo o livro "O Grande Gatsby" de F. Scott Fitzgerald. Pode-se ler dois livros. O primeiro, sem um conhecimento prévio do que era os EUA nos anos vinte, o período do American Dream, é um livro legalzinho, com personagens bem construídos e uma historinha de amor com começo, meio e fim. O segundo livro é uma obra-prima, que traça um perfil espantoso de uma geração próxima à desintegração, num período de prosperidade material único. Para retratar este período, Fitzgerald mostra, através das ações dos personagens, um povo cínico, ganancioso e cujo principal objetivo é a busca por prazer. A Primeira Guerra Mundial pôs fim a uma série de crenças e a prosperidade americana fez com que a sociedade da época se confrontasse com um desejo de possuir bens dum modo sem precedentes. Junto com isso, podemos citar também que foi uma época de grandes oportunidades para enriquecimento, tornando possível que qualquer um, de qualquer classe econômica, se tornasse milionário do dia para a noite, produzindo assim uma série de contrastes. No livro, a divisão entre East Egg (a sociedade aristocrática estabelecida) e West Egg (os novos ricos) reflete bem estas mudanças e consequentemente o contraste que elas passaram a causar no dia a dia desta sociedade. Fitzgerald, por exemplo, descreve Gatsby, um novo rico, como alguém sem o charme, a classe e a beleza daquela aristocracia tradicional, duma forma até discriminatória. Mas numa avaliação mais profunda, vemos que apesar da beleza e do charme, esta aristocracia é moralmente corrupta, amoral e gananciosa. Os Buchanans exemplificam tudo isso de modo bem claro. Enfim, tais contrastes dão um realce para os defeitos de todos, mostrando que seria até inevitável o declínio.

Quando estudamos história, na maior parte dos casos, lemos à respeito apenas das figuras mais importantes. Ao ler a obra de Fitzgerald, parece que estamos tendo um curso de história inseridos entre as pessoas da época, pessoas de carne e osso como nós, pessoas estas que não têm nada de especial para que no futuro sejam descritas em livros de história. Mas, ao mesmo tempo, compreendemos uma época dum modo que nenhum livro de história é capaz de nos fazer compreender. Percebam que um livro de história é escrito justamente com o objetivo de nos fazer conhecer fatos, mas "O Grande Gatsby" trabalha estes fatos de um modo subjetivo. Assim, ao absorvermos as referências sobre o período, encontramos uma obra que nos faz viver durante um certo período como um membro daquela sociedade. Viajamos no tempo e ao voltar, ganhamos uma nova capacidade de analisar os mesmos fatos que lemos em livros de história. Adquirimos um novo ponto de vista, muito mais amplo e ao fim, percebemos que tivemos o privilégio de ler uma obra-prima.




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