Eu queria escrever como quem sangra. Como quem respira. Como quem pensa. Queria minha escrita fosse simples assim, parte da minha existência. Queria ver meus pensamentos materializados em forma de palavras, letras, símbolos, vírgulas, espaços e ritmo. Queria tanta coisa e ao mesmo tempo, não. Ao mesmo tempo não queria nada disso, porque seria muito perigoso se todos soubessem o que penso e o que sinto.
Aqui, nestas palavras, encontras apenas aquilo que eu dou permissão. Talvez intuas algumas coisas nas entrelinhas, mas nunca poderás ter absoluta certeza do que eu realmente quis dizer. Eis a verdadeira força do escritor. Saber, ao menos da sua obra, a verdade. Ou não.
De todos os textos que escrevi ou que escreverei, quantos deles dizem exatamente aquilo que eu queria dizer? Quantos deles me traem durante o processo da escrita? Ou seria na leitura? Em quantos deles a verdade está na leitura e não na escrita?
Eu queria escrever como quem sangra. Queria poder mostrar algo simples e imprescindível para aqueles que tivessem a vontade de ler. Queria mostrar algo... mostrar... mostrar-me. Ou não.
Afinal, se não consegues entrever o que eu desejo, talvez não valhas a pena. Se o que tu queres é apenas brincar desse jogo de esconder-se e revelar-se, não vales a
pena. Se te divertes com minha impossibilidade de comunicação, com certeza não vales a pena.
Mesmo que eu escrevesse como quem sangra, tu nada farias. Mesmo que eu sangre - e não seria a primeira vez - tu não te moverias. Tu és como essas estátuas de sal. Paralisadas pela culpa de teus atos. E o meu sangue, sobre o sal, escorre. Mancha, mas não marca. Atravessa o sal e chega, intacto, ao solo. Sangue derramado, à toa.
Eu queria escrever como quem sangra... e talvez eu faça isso. Mas tu, nunca saberás...