Coisas e Coisas
LEITORES ACTIVOS E CRÍTICOS, PRECISAM-SE
Não, desta vez não vou escrever mal dos provedores dos leitores. Pelo contrário: proponho, ainda que sumariamente, analisar o que escreveram os provedores do
Público,
Jornal de Notícias (Porto) e
Diário de Notícias nas suas colunas mais recentes, domingo e segunda-feira.
Primeiro, os títulos: "Os terroristas também lêem os jornais" (
Público), "A cobertura jornalística da crise política (I)" (
Jornal de Notícias) e "A crítica aos media" (
Diário de Notícias). Títulos interessantes, todos eles.
Segundo: o número de cartas de leitores que serviram de base para o trabalho dos provedores: uma no
Público, em que Joaquim Furtado acompanha as interrogações do leitor Paulo Leandro sobre um texto intitulado "Polícia segue árabes suspeitos de prepararem atentado no Algarve". Na sua página, o provedor colhe os comentários do jornalista que escreveu a peça (José Amaro) e um outro colega (Adelino Gomes). A meu ver, o texto do provedor segue uma linha correcta: parte das dúvidas do leitor e tenta esclarecer com o ponto de vista dos jornalistas, ocupando toda a coluna. Já no
Jornal de Notícias, o provedor Manuel Pinto refere dois leitores (Manuel P. e André Nunes), mas apenas numa caixa à direita. O tema de fundo do seu trabalho é a análise da crise política vivida nos últimos quinze dias. O provedor deixa um conjunto de reflexões e promete voltar mais tarde, convidando "os leitores, os agentes políticos, os estudiosos do jornalismo e, naturalmente, os editores e jornalistas - particularmente os directamente envolvidos na cobertura da crise a pronunciar[em]-se". Já o provedor do
Diário de Notícias, José Carlos Abrantes, destaca um texto de Joli Jensen, autora americana por quem eu também tenho uma particular atenção, mas de cartas de leitor nada surge. Aliás, é curiosa a posição expressa no último parágrafo: a propósito de questões levantadas sobre a actuação de alguns jornalistas no recente Euro2004, escreve o provedor: "No DN, os leitores não protestaram para o provedor, o que é bom sinal".
Terceiro, a questão estética: para mim, a coluna do
Diário de Notícias é a mais apelativa e a do
Público a mais clássica. No caso do primeiro, a coluna horizontal "Bloco-notas", que vem do tempo de Mário Mesquita, mas Diogo Pires Aurélio não seguiu, com recuperação de Estrela Serrano e, agora, de José Carlos Abrantes, é um espaço interessante, o equivalente à relação de notícias breves com os artigos ou notícias. Tem um lado pedagógico, que o provedor do
Notícias do Porto também usa com a mesma eficácia.
Quarto, o contacto com o provedor. No jornal do Porto, surgem todos os contactos com o provedor, no
Diário de Notícias apenas o endereço electrónico, e nada no
Público. Ou seja, neste último jornal, na versão paga em papel, não existe qualquer incentivo para o leitor escrever. Quinto, o espaço: somente no
Público é que a página não é totalmente coberta com a escrita do provedor. Sexto e último ponto é o da ligação dos provedores aos blogues, casos de Manuel Pinto e Jornalismo e Comunicação e José Carlos Abrantes e As Imagens e nós, ilustrando a pertença dos mesmos à modernidade dos media e alargando o seu âmbito de intervenção social e cultural.
Porque não há cartas?
O que a análise das três colunas me traz é que não há cartas suficientes para que os provedores escrevam sobre elas. Quanto eu sei, há leitores que escrevem cartas a destacarem que este ou aquele brinde não tem qualidade, mas existem poucos textos de leitor sobre o conteúdo das notícias. Isso significa pouca participação cívica de nós leitores. Podia dizer-se que os jornais têm melhores provedores de leitores do que leitores, o que é laudativo para os jornais e extremamente crítico para nós leitores.
Dava uma sugestão aos provedores: porque não canalizam para si - ou pelo menos para a sua análise semanal - as cartas ao director (as publicadas e as não publicadas)? No espaço público, em que editoriais, cartas ao director e ao provedor se interrelacionam, o provedor parece-me ser, até porque vem de fora, quem melhor pode olhar holisticamente.
Aliás, isso pode observar-se na coluna de anteontem do blogue Intermezzo, a propósito das notícias serem escritas por homens e mulheres, onde se escreve: "Tive a oportunidade de debater o tema abaixo diretamente com o ombudsman da FSP, Marcelo Beraba, e agora reitero aqui: a reflexão sobre se a imprensa tem uma feição mais masculinizada do que afeminada - de acordo com a rara ou a forte participação de mulheres na mesma - vale não somente para os (as) que fazem jornal como para os (as) que o lêem. Vamos aos excertos da coluna do amigo publicada neste último domingo (11): O jornal [FSP] publicou 57 cartas no seu "Painel do Leitor", sendo 43 assinadas por homens (75%) e 14 (25%) por mulheres. Pesquisei nos dois concorrentes diretos, e o resultado foi bem parecido. No mesmo período [uma semana completa, de sábado, dia 3, à sexta, dia 9], "O Estado" publicou 87 cartas nas suas duas seções, "Fórum dos Leitores" e "Fórum de Debate": 65 assinadas por homens (75%) e 22 por mulheres (25%). No "Globo", foram 137 cartas, sendo 108 de homens (79%) e 29 (21%) de mulheres" [foi respeitada a ortografia original].
Citar de passagem os leitores ou escrever que eles nada disseram ao provedor pode ser contraproducente para este, levando o patrão a dispensar os seus serviços. Os provedores têm de fazer o seu trabalho e nós os leitores temos de escrever ao provedor. Mas assuntos úteis. Só há uma boa democracia se nós leitores tivermos um comportamento e uma participação cívica dignos desse nome.
Concluindo, o que escreveram os provedores foi importante para mim, pois aprendi bastante. Mas eles não se podem esquecer do assunto nuclear - as cartas dos leitores. Nem que tenham de procurar as cartas ao director, afinal uma rubrica muito mais antiga que as cartas ao provedor.
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