Trata-se, a meu ver, de um dos grandes acontecimentos culturais actuais na capital espanhola. Jacopo Tintoretto (1518 ou 1519/1594) disputou a liderança no panorama visual da Veneza do século XVI com Ticiano e Veronese. A exposição patente no consagrado Museu do Prado é a primeira mostra monográfica desde 1937 - há setenta anos já! - quando Tintoretto foi apresentado na sua Veneza (Palazzo Pesaro). Claro que há dificuldades em apresentar Tintoretto, pois muitos dos seus trabalhos residem em igrejas e palácios, onde foram produzidos para esse efeito (logo, inamovíveis). Algumas das suas mais belas obras são largas composições com temas religiosos e da mitologia grega, como se observa na exposição e no magnífico catálogo que acompanha a mostra.
No museu madrileno há 49 pinturas, divididas em quatro secções: 1) começos, até 1546; 2) anos decisivos, 1547-1555; 3) principal ciclo pictórico, 1556-1575; 4) anos finais, 1576-1594.
Tintoretto não foi um artista precoce. Além disso, as suas primeiras obras foram simultaneamente ambiciosas e imperfeitas. Outra crítica ao pintor veneziano foi a rapidez com que efectuava as obras, resultando que alguns dos que lhe encomendavam trabalhos recomendassem para ser mais lento. Uma crítica final seria que Tintoretto criou uma escola, com diversos trabalhos realizados pelos seus colaboradores, embora a ele atribuídos.
O salto qualitativo processa-se em 1545. E, mau grado, os comentários e as hostilidades - a principal residente em Ticiano, outro dos principais pintores da época -, o certo é que a obra vista no Prado é de um fascínio total. Não vista, por estar na Scuola Grande di San Rocco, em Veneza, a decoração feita por si (1564-1588) surge-nos como um esquema pictórico unificado num espaço público de grande dimensão, com cenas da vida de Cristo. Tintoretto é o pintor religioso mais prolífico na Veneza do século XVI, assinala Frederick Ilchman no catálogo da exposição de Madrid (p. 63). Em mais de 50 anos de trabalho, pintou para dezenas de igrejas e confrarias venezianas. Já visto na actual exposição, há cenas de batalhas e temas não religiosos (retratos, cenas da mitologia grega, alegorias).
Jacopo Comins, aliás Robusti, aliás Tintoretto, remete-nos para a palavra tintoretto. Explica Miguel Falomir no catálogo da exposição: tintoretto salienta a importância do desenho (disegno), entendido como instrumento de aprendizagem, experimentação e composição (p. 21). E escreve Robert Echols, no mesmo catálogo, que o ponto de focagem de Tintoretto é o funcionamento do corpo - em movimento, como energia. As figuras do pintor veneziano agem, alcançam, dobram-se, giram, raramente repousam (p. 28). A concepção da forma humana do pintor está determinada pela escultura, acrescenta o mesmo crítico. A cor adequa-se ao claro-escuro.
Exposição patente até 13 de Maio, aconselho a quem for visitá-la a comprar bilhetes online. Pode apanhar-se uma fila de duas horas de espera, como aconteceu ao blogueiro!