Coisas e Coisas
Sobre os plantões jornalísticos e o amor
Primeira parte – O baile de carnavalCris achou que ele estava fantasiado de repórter com aquele colete de imprensa.
- Ah, não é fantasia?
- Não. Eu não sou folião. Sou jornalista. Tô aqui trabalhando.
- Nossa, não sabia que beijar o pescoço das meninas no trenzinho fazia parte do trabalho de um jornalista.
- E não faz. Eu só tô curtindo um pouco o baile, sabe? Acabei de gravar todo material que precisava.
- Sei.
- É preciso parar um pouco e relaxar. Ninguém é de ferro nesse mundo.
- Sei. E você trabalha na televisão?
- Sim.
- Uau, sabia que eu sempre imaginei, assim, conhecer melhor um jornalista de televisão?
Segunda parte – Ah, ele não é da Globo?- A que horas eu consigo ver seu namorado na Globo, minha filha?
- Mãe, eu já disse: o Fê não trabalha na Globo.
- Mas você não falou que ele é repórter de televisão?
- É, mãe, de televisão, mas não da Globo. É de um canal de TV fechado. Mas me garantiu que tem uns amigos na Globo e que um dia ainda vai trabalhar lá.
- E por que ele não vem almoçar com a gente amanhã, filha? É meu aniversário.
- Mãe, ele vai estar de plantão amanhã. Mas mandou um beijo pra senhora.
Cris estava tão apaixonada por Fernando que nem se importava com suas ausências. O melhor era saber que as amigas estavam morrendo de inveja. A Cris namorava um jornalista da TV.
Terceira parte – Ou o jornalismo ou eu- Fernando César, eu não acredito que você vai trabalhar bem na virada do ano.
- Eu já tinha te avisado deste risco, meu amor.
- E a casa que eu e minhas amigas alugamos em Maresias? Eu também já tinha te avisado. Nosso primeiro réveillon e vamos passar separados. Eu não tô crendo nisso.
- Cris, meu amor, eu também queria muito estar com você, mas é a minha profissão. O que posso fazer?
- Sempre essa merda de plantão.
- Você acha que estou feliz por trabalhar na virada? Feliz por ter que cobrir o show do Maurício Manieri na Paulista? Odeio esse cara, porra! Pior que isso só show do Maurício Manieri com chuva. Porque costuma chover na noite da virada.
- Tomara que caia o mundo na Paulista, que teu microfone sofra uma descarga elétrica e que você morra eletrocutado.
Bateu a porta. Passou a virada na praia. Sem o Fernando.
Parte final – O réveillon na PaulistaA Fabiana tinha estudado com ele no colégio. Depois, nunca mais se viram. Ele nem sabia que ela também tinha cursado jornalismo. Por coincidência (ou destino), estavam os dois na Paulista.
- Pra falar a verdade, Fernando, era até minha folga hoje, mas eu pedi pra trabalhar.
- Sério?
- Pois é. Troquei. Pedi pra folgar no Natal. E se eu te contar uma coisa, você promete não rir?
- Claro.
- Pedi pra trabalhar só pra assistir ao show do Maurício Manieri hoje, aqui. Fê, eu adoro ele. Sei que tem muita gente que não curte, mas eu a-mo o Maurício Manieri!
- Ah, então foi por isso?
- Foi (
rindo). E você também gosta dele?
- Não sou fã de carteirinha como você, mas gosto bastante, sim.
- Você tá sentindo?
- O quê?
- O pingo. Pingo de chuva. Tá começando a chover. Vamos pra área reservada da imprensa?
O mundo caiu na Paulista. Fernando gravou, se molhou todo, escapou de sofrer uma descarga elétrica fatal. Entre uma gravação e outra, arriscou até cantar alguma coisa do Maurício Manieri. E, claro, beijou a Fabiana.
Ninguém é de ferro nesse mundo.
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