Coisas e Coisas
SOBRE O LIVRO DE EDUARDO CINTRA TORRES
Ontem, no Jornal de Negócios (p. 47), saiu o seguinte texto escrito por mim sobre o novo livro de Eduardo Cintra Torres, Anúncios à lupa. Ler publicidade.
Escrever sobre publicidade significa possuir muitos conhecimentos (história, pintura, cinema, música, artes gráficas, linguística, literatura) e ter elegância na abordagem dos temas. Mas escrever sobre publicidade num jornal implica também rigor e concisão, pois o espaço é um bem escasso, além da dificuldade do exercício regular, haja ou não boa matéria-prima para tal.
São estas as primeiras palavras acerca do livro de Eduardo Cintra Torres (ECT), Anúncios à lupa. Ler publicidade, autor que já editara este ano um outro livro importante, A tragédia televisiva. Ora, e de que nos fala ECT? De marcas, de produtos, de campanhas institucionais, em textos elaborados durante 51 semanas (2003/2004), acerca de automóveis, bebidas, relógios, moda, telemóveis, medicamentos.
Apesar da variedade, existe uma escolha criteriosa de temas, com encadeamento ou retomar de ideias, em contraste e complementaridade. Com frequência, elogiou campanhas ou anúncios; algumas vezes disse: “não gostei” (como na página 120). Expressando os seus pontos de vista, e apesar de fazer poucas citações de autores que escreveram sobre publicidade, Roland Barthes está lá. Mais as suas massas Panzani (p. 101), com a distinção entre denotação e conotação, elementos caros à semiologia, uma das bases científicas mais expressivas do trabalho deste autor.
Embora com poucas referências académicas, ECT intenta construir uma teoria da publicidade: figuras de estilo literárias, como metáforas e metonímias (p. 64), visualidade (p. 90), uso dos sinais gráficos como asteriscos e reticências (p. 87), elementos distintos na publicidade de televisão e de imprensa (p. 140), codificação (p. 112), publicidade como construção onírica (p.92), persuasão (p. 111) e emoções positivas ou prazer (p. 174). Chama a atenção para a escrita das frases, nomeadamente quando as vírgulas distorcem o sentido da ideia. E revela a importância de campanhas que envolvam a responsabilidade social, caso de empresas que elaboram campanhas de apoio a grupos específicos de risco ou insuficiência física.
O livro inclui também textos onde se fazem alusões directas aos limites da publicidade: bebidas alcoólicas (texto 28), brinquedos (texto 33) e separatas de jornais (texto 34), os dois primeiros devido à pressão sobre públicos jovens e sensíveis, o último porque se confunde jornalismo com publicidade e promoção. Aliás, e na minha perspectiva, o texto sobre separatas dos jornais é dos mais significativos, pois analisa mais que um produto ou marca, observa o medium em si. O mesmo ocorre com o slogan da TVI (páginas 124-126), marca construída pelo espectador, espécie de autor-consumidor.
Cada texto é como um videoclip ou pequeno conto, em que o anúncio serve para apresentar um argumento, narrativa ou estória à volta do título, slogan, imagem, cores e transposição da campanha de televisão para a imprensa e outdoors (o autor deixou de fora a rádio e a internet). Sexualidade, sedução, moda, teatralidade – eis alguns ingredientes da publicidade analisados no livro. Mas também a persistência, eficácia e sentimento de confiança, mesmo em anúncios menos conseguidos, por oposição ao choque e surpresa provocados por outros (p. 165).
Há um olhar jornalístico no tratamento dos textos, porque se trata de uma colaboração num jornal e porque traz a actualidade à discussão, assim como o pragmatismo das campanhas e anúncios: publicitar e vender. Nesse sentido, a escrita de ECT contextualiza, valoriza. O autor vê a publicidade como sendo passível de leitura profunda (ou preferencial, como escreve na página 138) mas fala igualmente da superfície da imagem, a qual estimula e convence públicos (consumidores). O esforço do autor é trabalhar essa leitura profunda ou segunda leitura (“este meu suado exercício de análise”, p. 160).
Para concluir: a capa do livro é muito bem conseguida. Não deixo contudo de tecer um reparo. O autor fizera um comentário ao asterisco como forma usada em excesso por alguns publicitários e, por isso, criticável (p. 88). No seu próprio livro, a capa leva um asterisco (indicação da apresentação e prefácio), o que enfraquece a sua posição mas não retira a beleza da capa.
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