Coisas e Coisas
SEMIÓTICA EM JOSÉ AUGUSTO MOURÃO E MARIA AUGUSTA BABO
O objectivo da semiótica é explicitar as condições de apreensão e produção do sentido, indicam José Augusto Mourão e Maria Augusta Babo no começo do livro. E fornecer uma arqueologia do signo e da representação são outros objectivos, continuam.
Assim, após um capítulo inicial, de definição do campo, das diversas famílias da semiótica - linguística, filosofia, teoria literária, cibernética, teorias da informação e dos media -, seguem-se dois capítulos igualmente importantes (genealogia, cartografia).
Fixemo-nos ainda no capítulo inicial. Nele se referenciam duas opções de campo: semiótica, semiologia. A semiótica é o estudo dos sistemas de significação e a semiologia descreve sistemas usados para fins comunicativos (código de estrada, sistemas de números, micro-sistemas de símbolos da vida quotidiana) (p. 13). Semiologia é mais literária, semiótica conota a ideia de um projecto global em que se associam linguística, antropologia, fenomenologia. São 25 densas páginas fazendo a história dessa disciplina tão fascinante quanto difícil, e que tem autores conhecidos como Saussure, Peirce, Greimas, Barthes, Hjelmslev e Eco, cada um deles olhando a matéria de forma peculiar e rica.
Se a teoria de Peirce é a doutrina geral dos signos (p. 18), há grandes diferenças entre a semiótica soviética, a de Peirce e a semiologia de Saussure, pacientemente explicadas no livro. De carácter disciplinar, o objectivo ideal, convocam os autores de novo, é estabelecer uma teoria geral dos signos em todas as suas formas e manifestações. Centro-me no conjunto de objectos ou campos de aplicação: semiótica do texto, semiótica dos media, semiótica do espectáculo, semiótica visual, semiótica do espaço, etc. Rito, código, significação e interpretação são alguns dos conceitos apresentados e trabalhados.
O segundo capítulo, dedicado a percepcionar melhor as genealogias, quase começa afirmando que a semiótica não é um movimento monolítico, em especial quando olhamos a disciplina ao longo do tempo. Ela arrancou integrada no universo dos signos naturais: sintomas clínicos, indícios meteorológicos, vestígios criminais. Hipócrates criou uma sintomatologia ligada ao saber médico (p. 40). Mas o filósofo português João Poinsot (1632) é considerado o autor da primeira teoria unificada do signo. Também Santo Agostinho, no primeiro livro do De Magistro, é apresentado como o fundador de uma semiótica de carácter geral. Escreveu ele: "todo o signo é, ao mesmo tempo, alguma coisa, visto que se não fosse alguma coisa não existiria". Contudo, a semiótica moderna precisaria de um terceiro elemento para além da coisa que substitui outra, a significação ou interpretação.
O terceiro capítulo, com as cartografias, assinala separadamente os vários autores principais da semiótica: Saussure (e Bakhtine, Benveniste e Derrida), Hjelmslev, Jakobson (e o formalismo russo, com Propp), Greimas, Barthes, Kristeva, Peirce (e também Eco).
Confesso que sempre gostei mais (ou entendi melhor) Saussure e Barthes, e não Peirce. Mas a interligação de três elementos em Peirce - signo, objecto, interpretante - ou a articulação de índice, ícone e símbolo, é uma construção poderosa. Um índice é um signo que remete para o objecto por ser afectado por ele (o fumo é o índice do fogo) (p. 171). O ícone é um signo que remete para o objecto em virtude de características próprias, caso do diagrama. O símbolo é um signo que remete para o objecto em virtude de uma lei; na proposição "António gosta de cerejeiras", "gostar" é um símbolo.Trata-se, pois, de um livro fundamental, simultaneamente pedagógico e de uma grande profundidade e vastidão.
Leitura: José Augusto Mourão e Maria Augusta Babo (2007). Semiótica. genealogias e cartografias. Coimbra: MinervaCoimbra, 245 páginas
loading...
-
Morte Do Professor JosÉ Augusto MourÃo
Foi conhecida ao fim da manhã a morte do professor José Augusto Mourão. Sobre ele, escrevi notas de um livro que publicou conjuntamente com Maria Augusta Babo aqui. Com muita investigação feita na área da semiótica, era professor associado...
-
DESTAQUE: TEXTOS QUE AQUI PUBLIQUEI SOBRE TEORIAS DA COMUNICAÇÃO, SEMIÓTICA E ESTUDOS DE RECEPÇÃO
Modelo comunicacional de Lasswell - 7 de Outubro de 2003
Teoria funcionalista - 15 de Outubro de 2003
Lazarsfeld e Merton - 25 de Outubro de 2003
...
-
SEMIÓTICA E INDÚSTRIAS CULTURAIS
A semiótica é um movimento de pensamento que se pode qualificar de europeu e mesmo continental pois as suas raízes são francesas e italianas e ilustram a distância perante o modelo funcionalista de Lazarsfeld,...
-
A SEMIÓTICA E PEIRCE
[texto inicial de 27.10.2003 produzido para o blogue Teorias da Comunicação e que serve, agora, de apoio ao conceito de interpretante, incluido na mensagem de ontem]
Enquanto teoria, a semiótica realça a...
-
SEMIÓTICA
Enquanto teoria, a semiótica realça a comunicação como geradora de significação. Com ela, constitui-se um novo conjunto de conceitos: signo, significação, ícone, índice, denotação, conotação, paradigma, sintagma. No centro...
Coisas e Coisas