Coisas e Coisas
REFLEXÕES SOBRE O "JORNALISMO POSITIVO"
O artigo de Eduardo Cintra Torres (ECT), ontem editado no Público com o título acima, merece cuidada atenção.
Por jornalismo positivo entende-se o noticiar o que "de bom se faz por cá" (não apenas as desgraças). Por contraste com o jornalismo em si, que é dar notícias dos factos relevantes, sejam positivos, neutros ou negativos, conforme define o colunista. Os defensores do jornalismo positivo acham que o jornalismo negativo é uma espécie de manobra conspirativa contra o governo de serviço.
Vejo um sinal preocupante, e até perigoso, no último parágrafo do artigo de ECT, lendo-o como um silogismo: 1) há quem prefira o jornalismo positivo, 2) Salazar gostava de jornalismo positivo (proibição de notícias sobre crimes), 3) logo (deduzo a partir do seu raciocínio), os defensores do jornalismo positivo são semelhantes a Salazar.
Por isso, vou produzir alguns apontamentos acerca das afirmações ali contidas, sem subestimar o valor e criatividade do autor bem como destacar a importância do assunto.
Primeiro, a literatura do género não assume o quadro elaborado pelo colunista, mas traça mais elementos, o que complexifica a situação. Sigo Thomas Patterson ("Tendências do jornalismo contemporâneo", Media & Jornalismo, 2003, 2: 19-47). Professor da Universidade de Harvard, Patterson diz que as notícias mudaram muito nas duas últimas décadas, como resposta a uma situação muito competitiva, levando as empresas jornalísticas a aligeirarem a cobertura noticiosa dos acontecimentos. De que modo? Com notícias mais leves, diminuição do interesse pelas notícias, ascensão das más notícias ("as más notícias vendem-se"). Michael Schudson (The sociology of news, 2003: 91-99), a partir de Patterson, conclui que há um crescimento de cinismo e negativismo no registo político das notícias (período estudado: 1960-1992).
Em segundo lugar, os jornalistas tendem a ignorar que os políticos são capazes de fazer bom trabalho (aparte os oportunistas). Em terceiro lugar, os jornalistas vêem a política com um "esquema de jogo" (a "corrida de cavalos", segundo Estrela Serrano, que analisou campanhas presidenciais). Nesse "esquema de jogo", os jornalistas chamam a atenção para o conflito e para um pequeno número de indivíduos e não para as condições sociais e os interesses que esses indivíduos podem representar. Há, continua Schudson, um aumento gradual de sensacionalismo, uma redução de espaço dado às questões políticas e uma atenção crescente a estilos de vida, entretenimento e escândalo. Não nos podemos esquecer que, nos anos de 1990, surgiram termos como tabloidização e infotainment.
Se quisermos ser sintéticos: as notícias são mais cínicas e assentes no infotainment. Embora o estudo se aplique à realidade nos Estados Unidos, ela pode estender-se globalmente e não apenas regionalmente a Portugal, como defende ECT.
Realce-se ainda que a imprensa produz mais notícias negativas – pelo menos, há estudos que o afirmam nesse sentido. ECT tem uma agenda clara (críticas consequentes e legítimas à RTP, à ERC e ao governo de Sócrates), mas não pode, a partir dessas posições, falar em especificidade nacional.
Aconselho, por isso, uma dieta ao colunista: ler Patterson e Schudson e efectuar estudos empíricos como o suportado pelo primeiro destes autores.Igualmente sugiro uma reflexão sobre o caderno em que ECT escreve regularmente, o P2. Muito colorido, o caderno P2 trata habitualmente de estilos de vida – sapatos, moda, vidas e desamores de estrelas e celebridades, arte e conforto – e belas páginas como as de João Benard da Costa ou o Bartoon de Luís Afonso, além de informação de espectáculos e uma página de "Pessoas" (na edição de ontem, havia seis notícias breves com cinco fotografias de mulheres bonitas e conhecidas do mundo dos media, além de uma outra onde se falava de Carla Bruni, dia em que o Público interrompeu uma série de três dias mostrando fotografias da senhora Sarkozy com elegantes e exclusivas toilettes). Todos estes elementos não são propriamente destinados a deitar governos abaixo. O que pode (e deve) temperar posições. É que os escritos de ECT aparecem em território de jornalismo positivo (sem o sensacionalismo dos jornais tablóides, claro).
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