PENSAR OS JORNAIS
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PENSAR OS JORNAIS


É o título da coluna de hoje de Pacheco Pereira, no Público. Onde fala da passagem de gosto da imprensa de referência para a imprensa popular.

Lê-se: "Acabada a censura e envelhecidos os modelos dos jornais «de referência» numa sociedade em mutação, em que a ascensão das massas aos consumos «culturais» se dava pela primeira vez, era natural que uma parte dos públicos forçados até então pela ausência de alternativa escolhessem". Neste caso, a "imprensa popular". Mais à frente, Pacheco Pereira escreve: "Mas a imprensa «de referência», durante muito tempo, que era também imprensa do Estado porque pública ou semipública, continuou num caminho autista até que a privatização começou a abanar os bolsos dos «donos» da imprensa com os elevados custos de jornais que perdiam leitores e, ao perderem leitores, perdiam publicidade".

O texto de Pacheco Pereira, que li com agrado, continuará a ser publicado na sua próxima coluna. Estarei atento.

Contudo, faço dois reparos ao seu texto. Primeiro, os conceitos de referência e popular, apesar de já sedimentados, resultam de uma aplicação, em Portugal, relativamente recente. Aliás, há cuidado em Pacheco Pereira quando coloca as palavras entre aspas. Antes de 1974, havia jornais populares - se quisermos aplicar os conceitos - como o Diário Popular (vespertino, Lisboa) e o Jornal de Notícias (matutino, Porto). Terei mais dificuldades em nomear como jornais de referência Diário de Notícias, O Século ou Diário de Lisboa - a censura não permitia a aplicação cabal do conceito.

Um segundo reparo que faço ao texto de Pacheco Pereira é o da colocação temporal do autismo dos media impressos. Primeiro, a imprensa de Estado (excepto os defuntos Diário da Manhã, até 1970, e Época, a seguir, órgãos de comunicação impressa do partido único) só existiu entre 1975 (indirectamente, devido à nacionalização da banca, que detinha a propriedade dos principais títulos da imprensa) e finais da década de 1980 (entretanto, títulos conhecidos como O Século e o Jornal do Comércio e das Colónias desapareciam). O Diário de Notícias foi desnacionalizado em Maio de 1991, ou seja, há 16 anos é propriedade privada. Entretanto, tinha surgido o Público (1990).

No meu entendimento, a expressão "até que a privatização começou a abanar os bolsos dos «donos» da imprensa com os elevados custos de jornais que perdiam leitores" necessita de ser temperada com outras explicações: surgimento da televisão privada, com noticiários mais simples (tablóides), aparecimento da internet (e proliferação de ecrãs, que levam a uma lenta mudança de paradigma educacional e informacional), baixa literacia - que sempre indicou haver uma baixa camada leitora de jornais em Portugal.

Quanto aos "donos" da imprensa, assaltam-me dúvidas: a Portugal Telecom (PT), por exemplo, foi uma "dona" perfeita, no sentido do domínio do negócio e da expertise, enquanto o Diário de Notícias esteve como seu activo? Há sempre quem me esteja a referir o Sapo (internet da PT) como espaço de controlo (e aperto) de tentativas mais ousadas (e interactivas) dos seus clientes (SIC, o próprio Diário de Notícias), desejosos de acabar o prazo dos contratos.

Aliás, num texto muito bem escrito, Maria Lopes narra, na edição de hoje do Público, a sucessão de directores do Diário de Notícias em quatro anos: após a saída de Bettencourt Resendes, passaram pelo jornal Fernando Lima (Novembro de 2003), Miguel Coutinho (Outubro de 2004), António José Teixeira (Setembro de 2005). Esta deriva dirigente é fatal para alcançar um rumo adequado, para além da mudança de proprietário: ao coronel Luís Silva seguiram-se a PT e Joaquim Oliveira. Parece-me que Pacheco Pereira deveria incluir esta variável no seu texto.

Observação: quando escrevo texto bem escrito de Maria Lopes, quero dizer isso e apenas isso. Trata-se de um texto factual, com elementos históricos de enquadramento. E sereno, ao contrário de alguns textos publicados no Diário de Notícias a propósito de alterações recentes no Público (caso dos despedimentos). Senti alguma arrogância no modo como o Diário de Notícias publicou esses acontecimentos sobre o jornal concorrente, como se não se pudesse passar algo de semelhante no seu interior. A vida ensina-nos a ser prudentes quando se noticia o azar na casa alheia.



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