Coisas e Coisas
O Grande Agente Destruidor
Algo que realmente me fascina numa boa propaganda é a habilidade que o publicitário tem ao transmitir uma idéia através de outra completamente diferente. Eventualmente assistimos a algum bom comercial e durante os poucos segundos em que a propaganda é mostrada, ficamos com aquela incômoda pergunta: afinal, que produto eles estão anunciando? Ao final, ao juntarmos as idéias mostradas com o anúncio do produto tudo se encaixa perfeitamente. O produto vira um personagem implícito do comercial. Na literatura isso também acontece. Eventualmente somos levados por uma boa história e percebemos "personagens" implícitos que fazem encaixar idéias ou temas que o escritor propõe. Por exemplo, o tempo freqüentemente vira um personagem do romance.
No livro "To The Lighthouse" (no Brasil o título é traduzido por "Ao Farol", "Rumo ao Farol" ou "Passeio ao Farol") de Virgínia Woolf, em meio à história e aos personagens, perecebemos de forma nítida como a escritora faz questão de mostrar o tempo como um grande agente destruidor. São duas partes principais: na primeira programa-se um passeio a um farol próximo, que não ocorre, e na terceira (após a Primeira Guerra Mundial) o passeio se concretiza. A segunda parte conta de forma rápida o que ocorreu entre uma parte e outra. O estilo "stream-of-consciousness" que Virginia Woolf utiliza, valoriza muito essa idéia de o tempo degradar tudo. Na primeira parte há um clima de empolgação, especialmente ao se descrever os pensamentos do jovem James Ramsay, enquanto na terceira a sensação é que as coisas foram abandonadas, que tudo perdeu seu brilho.
Na leitura que fiz recentemente do romance "O Bosque das Ilusões Perdidas", de Alain Fournier, senti sensações similares de contraste entre a felicidade e a empolgação do passado com a tristeza e angústia do presente, que existe no livro de Virginia Woolf. O tempo novamente aparece como um personagem que transforma tudo para pior. A descrição do reencontro de Meaulnes e Yvonne é o clímax desse contraste. A medida que lemos as páginas do capítulos parece que sentimos o mesmo que Meaulnes: nada é como foi. O tempo passa, causa seu estrago e nunca as coisas serão como eram, sobra apenas nostalgia.
Nos dois romances, ocorre o mesmo: lemos as páginas, conhecemos os personagens, vemos os fatos se passarem, mas é o só quando percebemos que o tempo vira um personagem da obra que tudo se encaixa. Apesar da sensação ruim que essa percepção nos causa, somos influenciados a dar valor a este personagem. Vemos que todo o mal que o tempo causa não faz apagar tudo o que ocorre no presente. A vida segue. Bem ou mal, a vida segue. Em "To The Lighthouse", James Ramsay por um breve momento se vê mais próximo a seu pai. Em "O Bosque das Ilusões Perdidas", Meulnes retorna para encontrar sua filha. Em resumo, por mais degradante que possa parecer o presente em comparação ao passado, tudo sempre nos faz olhar para frente e seguir.
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