Coisas e Coisas
O CINEMA EM JOÃO MÁRIO GRILO
João Mário Grilo, cineasta e docente da Universidade Nova de Lisboa, fez sair dois textos pela Livros Horizonte,
O homem imaginado. Cinema, acção, pensamento e
O cinema da não-ilusão. Histórias para o cinema português. Tendo, em grande parte, origem em textos já publicados ou trabalhos académicos defendidos até ao momento, e apesar da dispersão, os dois livros possuem uma notória unidade em termos de temas e perspectivas.
Já li o segundo dos livros acima indicados, estou a começar o primeiro. De
O cinema da não-ilusão. Histórias para o cinema português, com prefácio de Manoel de Oliveira, o autor produz distintos núcleos de interesse, o mais importante, na minha leitura, intitulado "Gestos & fragmentos. Cronologia crítica do «cinema de guerra» português", a que se segue a primeira parte do livro, "Pequena história do cinema português".
"Gestos & fragmentos" tem origem no título homónimo do filme de Alberto Seixas Santos, um dos filmes que o docente e realizador mais evoca em termos de marca pessoal (o outro é o
Acto da Primavera, de Manoel Oliveira).
Gestos & fragmentos é um filme colocado na fronteira do documental e da ficção, melhor dizendo: um ensaio fílmico (pp. 92-93). João Mário Grilo parte da assunção que a guerra é um tópico estruturante da história do cinema (p. 50). Mas acaba por concluir que o cinema português, mesmo durante a sequela das guerras coloniais, não reflectiu isso. O cinema passou "ao lado dos diferentes cenários de guerra, concentrando antes a sua atenção nas paradas, nos discursos, nas celebrações e nos desfiles militares" (p. 55).
Isso aplica-se nomeadamente ao tempo de Salazar à frente do governo (de que emergem
A Revolução de Maio, de António Lopes Ribeiro e António Ferro, e os conjuntos documentais ou actualidades). Já no pós-1974, João Mário Grilo defende o filme de Alberto Seixas Santos
Acto dos feitos da Guiné, que o realizador filmara ainda como militar na recolha de imagens. E recupera
Um adeus português, de João Botelho. Sempre com um olhar em Manoel Oliveira, agora em
Non, ou a vã glória de mandar.
É de (e sobre) Manoel Oliveira que João Mário Grilo regressa ao longo do texto, do prefácio à entrevista com Oliveira e à confissão: "Vi pela primeira vez um filme de Manoel Oliveira em 1975. Era uma sessão pública, normal, numa estranha sala de província, instalada num salão de festas de um casino (Figueira da Foz, donde Grilo é oriundo) (p. 127). Foi uma espécie de acto fundador da ideia de fazer cinema em João Mário Grilo, que já realizou
A estrangeira (1982),
O processo do rei (1989),
O fim do mundo (1993),
Saramago: documentos (1994),
Os olhos da Ásia (1996) [para o blogueiro, o seu melhor filme],
Longe da vista (1998),
451 Forte (2000),
A falha (2002) e
Contacto (2004).
O autor destes dois novos livros confessa-se, de novo, noutro sítio: "cada filme coloca no final uma hipótese que outro filme desdobra numa tese, que há-de chegar a uma outra hipótese que será o motor de outro filme" (p. 146). Dito à minha maneira: um tema, uma obsessão, uma ideia, é recorrente na obra do realizador, com ele a procurar resolver um problema de um outro ângulo.
A primeira parte deste livro de 167 páginas (o outro livro tem 166 páginas, uma simetria perfeita) aborda a pequena história do cinema português (como o outro livro tem um abecedário para uso do cinema). Nesta curta história do cinema português, João Mário Grilo divide-a em quatro momentos, como se fosse uma análise estruturalista sopesando os diferentes agentes sociais no tempo: começos (1896-1930), cinema de actores (1930-1950), cinema de autores (1960-1990) e cinema de produtores (com interrogação), a partir de 1990. João Mário Grilo destaca as leis do cinema (1948) e, especialmente, a lei 7/71, a qual "introduz algumas soluções financeiras extremamente progressistas" (p. 24), pois o adicional de 15% pago nos bilhetes de ingresso nas salas de cinema revertia para a produção de novos filmes. Claro que, como o cinema americano era o mais visto e o que mais contribuia para esse adicional, os distribuidores propuseram-se eliminá-lo quando fosse mais conveniente.
João Mário Grilo dá ainda destaque aos anos Gulbenkian, coincidentes com a legislação de 1971, instituição que apoiou bastante o chamado
cinema novo e muitos jovens realizadores.
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