Nobel Brasileiro – Meu Voto
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Nobel Brasileiro – Meu Voto


Assim como o Inagaki, acredito que a escritora Nélida Piñon é a candidata brasileira mais qualificada para ganhar o prêmio. Apesar de o seu trabalho ser praticamente desconhecido para a maioria dos leitores, ouso afirmar que ela é a maior escritora brasileira viva. Não lhe faltam méritos para tal afirmação. Nélida é dona de uma bibliografia invejável, cujo trabalho valoriza a linguagem e renova a forma do romance brasileiro. Certos trechos de seus livros merecem serem lidos em voz alta, pois possuem um ritmo e um vocabulário que se assemelham à poesia. Também, a escritora possui um currículo de dar inveja a qualquer bom autor: Nélida foi eleita para ocupar a cadeira número 30 da Academia Brasileira de Letras em 1990, sendo a primeira mulher a presidir a instituição a partir de 1996. Seus livros conquistaram prêmios importantes como o Juan Rulfo de Literatura Latino-Americana, a Lazo de Dama de Isabel la Católica, outorgada pelo rei Juan Carlos da Espanha e neste ano o Príncipe Astúrias de Letras, desbancando nomes importantes como Paul Auster, Philip Roth e Amos Oz. Dentre os livros da escritora, destaco especialmente "Fundador", um dos melhores romances brasileiros.

"Fundador" é destes livros que quando se inicia a leitura, não há como parar. Todos os elementos da boa literatura estão contidos na obra e são trabalhados de uma forma surpreendente. O livro fala dos sonhos dos homens, colocando como pano de fundo a conquista da América pelos europeus. Para falar de sonhos e conquistas, Nélida Piñon utiliza elementos fantásticos de linguagem, transformando fatos em narrativas heróicas, contos de fadas adultos. Esta ‘transformação’ é que faz com que trechos em prosa, se tornem quase poesia, tornando a leitura em voz alta quase uma obrigatoriedade. Veja, lendo o trecho abaixo, se isto não é verdade:

"O que Fundador lhes propunha, apreciariam se ficassem. Uma construção! Reino no céu, ou sua imitação, na própria terra. E não queria cidade apenas para dominar. Exclamava, na solidão do seu quarto: raros homens destinam-se a uma cidade, sem que consultem para isso outras criaturas: a fundação de uma cidade é anterior à religião, depende de fé que religião não assume, e ainda de homens, animais, e a libertação da mata."

Além da linguagem, a forma como a história é contada representa outro ponto fundamental da obra. Várias narrativas são mescladas, diversas períodos são misturados e um grande número de personagens se alternam durante o romance. O tempo anda em círculos e ora estamos no passado visitando personagens que lutam pela conquista de uma terra prometida por mapas e sonhos, ora estamos no presente encarando a revolta de personagens frente às desigualdades sociais existentes, que sonham por um mundo mais justo. Com o avançar das páginas, vamos desvendando que caminhos ligam os personagens do passado com os do presente, tal qual o mapa que indica a rota até a terra sonhada.

Por último, os personagens são marcantes, cheios de vida, com uma força espantosa. Fundador, o personagem sem nome que quer realizar seu sonho de construir uma cidade, sob certos aspectos se parece com a personagem Ana Terra, de Erico Verissimo. Teodorico de Antioquia, é um personagem misterioso e dono da incrível capacidade de desenhar mapas de terras muitas vezes inexploradas, e a comparação que faço é com o personagem Melquíades, da obra "Cem Anos de Solidão" de Gabriel Garcia Márquez. Mas, a bela amizade de Ptolomeu e Joe é uma das mais diferentes e comoventes da literatura. De um lado um velho paciente, de outro um jovem impetuoso e hostil a qualquer demonstração visível de carinho. As páginas 120 até 122, intercalam um diálogo duro entre os dois, mas com pensamentos ternos, ligando-os. Impossível não distinguir a beleza literária que Nélida consegue extrair de personalidades tão distintas e ao mesmo tempo tão próximas.

"Fundador" é apenas uma das grandes obras da escritora, que possui em seu currículo ainda outras obras que chamam atenção de críticos e leitores, como "Guia Mapa de Gabriel Arcanjo" e "A Casa da Paixão". Por tudo isso, votaria em Nélida Piñon como a brasileira mais próxima de ganhar o Nobel de Literatura, aparentemente a última grande homenagem a esta escritora de enorme talento. Não premiá-la com o Nobel de Literatura será uma surpresa (para não usar a palavra 'injustiça'). Quem ainda não conhece seu trabalho, recomendo começar a conhecê-lo o quanto antes. Possivelmente não se arrependerá e ainda passará por aqui para me agradecer pela dica.




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