NÃO COMPREENDI ECT
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NÃO COMPREENDI ECT


Eduardo Cintra Torres (ECT), na sua página de ontem do Público, escreveu sobre a irrelevância da rádio. Começou o artigo com o desaparecimento de António Sérgio, considerando-o um grande profissional da rádio, apesar do anacronismo das propostas do radialista: o rock e o pop. ECT encetara outras audições, a da música clássica e da pop-jazz. Certamente que não o fez na rádio, pois a Antena 2 tornou-se uma rádio de palavra para desespero de quem gosta de música clássica (o fim de programas como Ritornello, de Jorge Rodrigues, não foi compensado) e há pouca tradição em Portugal de programas de jazz, para não falar de emissoras. Por isso, ECT migrou para outro meio que não a rádio, como à frente diz: CD e mp3.

Mas isso aconteceu não no tempo que ECT escreve, foi sucedendo lentamente. Depois de António Sérgio ter debutado, a rádio mudou muito, no mundo como em Portugal. Os programas de autor haviam renascido com a FM na segunda metade da década de 1960 e durante a década de 1970, como Em Órbita e Página Um. Até aí, havia uma anemia de programas de autor. Aconteceu à rádio como o que os Cahiers du Cinéma fizeram ao cinema, relevando os realizadores. No caso específico do nosso país, o fim da ditadura (1974) trouxe muitos programas novos. E, com a década de 1980, vieram as rádios livres (ou piratas, se preferirem a designação). Se podemos falar de meio com inovação foi a rádio desse período. Não tanto com programas de autor mas com novos temas, novas abordagens, mesmo que ingénuas e pouco continuadas. Ficaram a TSF e um conjunto de animadores de rádio que ainda estão hoje no mercado. O CD é dos anos 1980, o mp3 da nossa década. O que significa uma décalage quanto à pretensão de ECT na sua evolução de gosto. Claro que a qualidade da rádio se perdeu com as playlists de muitas estações, mas elas também automatizaram a emissão, despedindo os animadores e eliminando os programas de autor. Abandonou-se a ideia de programas de stock para criar um fluxo contínuo, sem grelha de programas excepto no período pendular da manhã e do fim da tarde (quando se vai e regressa do emprego conduzindo o automóvel; daí as intermináveis paragens de programação radiofónica com informação sobre os acidentes e engarrafamentos na segunda circular de Lisboa ou na ponte 25 de Abril ou no IC19 em Sintra ou Queluz ou na VCI do Porto).

A meu ver, e discordando de ECT, António Sérgio não levou a sua qualidade para uma rádio local. A Radar - com autores de programas como Inês Meneses, o dr. Ramos e Nuno Galopim - tem uma frequência hertziana local mas uma emissão global, graças à internet. A rádio é o meio mais implantado na internet. Podemos dizer que a rádio já não o é porque está toda na internet, e já faz vídeos, ocupando territórios de outros media. Nas ondas hertzianas, a rádio vai acabar o ano de 2009 com uma perda de investimento publicitário, mas inferior à perda na televisão e nos jornais. E com uma subida de audiências no último trimestre, o que contraria os que anunciam a sua morte. Os jornais perdem leitores - e eu jamais escreverei que os jornais são irrelevantes -, e continuam à procura do modelo de negócio na internet. Ontem, um jornal noticiava que um grupo (Cofina) falava dos enormes prejuízos de outro grupo (Controlinveste). O jornal onde lia a notícia está ele próprio com muitos prejuízos. Escrever num jornal pode ser perigoso, pelo risco de fechar ou de não ter quem o leia. E a televisão, o objecto de trabalho de ECT, está a perder espectadores nos canais generalistas e porque as gerações mais novas preferem a internet, o telemóvel e o convívio (restaurantes, discotecas, concertos ao vivo, viagens).

Olhando para outros lados, poderíamos ter a visão pessimista de ECT: as salas de teatro nem sempre enchem, o cinema nacional é suportado pelos impostos dos portugueses, as produções de ópera e de bailado são caríssimas e dependem de mecenas, pois o bilhete pago não cobre as despesas, a pintura de óleo transformou-se em instalações (quase eléctricas), o gosto muda rapidamente sem aparentemente surgir uma qualidade equivalente ou alicerçada pelos pares e pela cultura. Isto num tempo em que se fala de economia da cultura e das indústrias culturais.

Esperemos que a rádio, apesar de já ter passado o seu período de ouro - e que foi na década de 1950 -, não se torne irrelevante.



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