MUTAÇÃO DAS INDUSTRIAS CULTURAIS (I)
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MUTAÇÃO DAS INDUSTRIAS CULTURAIS (I)


Nas indústrias culturais de hoje, notam-se algumas tendências, de que aqui deixo um rápido traço. A primeira é a da revolução digital, cujas principais implicações são a redução de barreiras à entrada de novos grupos de media, com quebra de valor de investimento inicial. Se, até algum tempo atrás, havia um investimento avultado em estúdios de televisão, linha gráfica, equipas, o simples acesso à internet através de computador permite fazer muitas das actividades. O Google e o YouTube são bons exemplos. Numa escala mínima, neste blogue, consigo colocar imagens e vídeos a custo zero.

A digitalização permite a distribuição de conteúdos em mais plataformas, com mais qualidade e preço mais reduzido. Algumas dessas plataformas estão a emergir, como o iPad ou a webTV. As tecnologias aproximam os até então diferenciados produtores e consumidores, naquilo a que muitos autores chamam de cultura pro-am (profissional e amador), como Henry Jenkins, e que é um segundo ponto que deixo à reflexão. A possibilidade de adquirir conhecimentos e competências no amador leva à redução de agentes intermediários (ou gatekeepers), embora surjam novos. Mas importa aqui realçar que qualquer indivíduo, com um computador e a ligação à internet, pode capturar mais valor, dentro do conceito de Michael Porter de cadeia de valor e de deslocação do valor ao longo dessa cadeia de valor. O valor está cada vez mais nas plataformas de distribuição que na produção, mas esta torna-se múltipla e leva a ao surgimento e de novas formas de distribuição, com mais concorrência, o que baixa o valor intrínseco a cada plataforma.

A revolução digital representou, segundo Nicholas Negroponte, quatro principais características: 1) resistente à obstrução, isto é, uma obra é facilmente reprodutível, 2) conversível e arquivável, 3) manipulável e trasnformável, e 4) imparcial. A imparcialidade reflecte outra mutação nos media. Os teóricos e os gestores de media concluem pela redução da distinção entre notícia e entretenimento. Michael Schudson escreveu que a informação é mais leve e um acontecimento ou problemática concentrados num período curto de tempo com imagens de grande espectacularidade, que despertam sentimentos de emoção como acontece quando vamos ao cinema. Os gestores entendem que a redução da diferença está nas tecnologias mais comuns nos diversos media, o que se traduz num novo modelo de negócio. O que significa o esboroar da ideia de diferença dos media tradicionais. O meu blogue, uma vez mais, é um pequeno exemplo dessa mutação.

O novo modelo de negócio significa olhar de outra forma a monetização, terceira ideia aqui expressa. Palavra ainda só usada pelos especialistas, ela indica que as novas plataformas produzem outras fontes de rendimento que não apenas a publicidade (nos jornais, na televisão), mas aproveitam a relação mais próxima entre notícia e promoção de evento, nos anúncios colocados nos blogues pelo Google AdSense, na sinergia entre uma telenovela e as histórias que as revistas cor-de-rosa contam (casamentos, separações, uma gravidez da estrela A ou B). A publicidade era esmagadora nos media tradicionais (60 a 70% na imprensa, 100% na rádio e na televisão). Com a baixa de barreiras à entrada nos novos media e o surgimento de novos parceiros, a publicidade é distribuída por mais actividades mediáticas, a que se acrescentam as novas possibilidades de medir o efeito e impacto da publicidade nos indivíduos receptores. Daí o sector comercial e de marketing das empresas de media passarem a ter mais poder, procurando soluções integradas multimedia ou de comunicação global. Isto faz-se através de uma maior integração da publicidade nos conteúdos. As revistas de moda são um bom exemplo dessa mistura, com a produção de peças informativas em que o aspecto comercial se articula com a notícia, o que torna essas peças mais próximas de comunicados de imprensa, de comerciais autênticos e de actividades de relações públicas que a notícia que informa e analisa. Para os directores de marketing e comerciais, esta mistura de informação e entretenimento e relações públicas cria comunidades de valor e de credibilidade. A recente expansão do Facebook é um exemplo. A publicidade é crescentemente substituída pelo product placement, isto é, a promoção do produto dentro do programa feita pelo animador ou pelo artista. Os aspectos éticos são revistos com o lado comercial (a regulação tem de ser forte neste terreno).

A mutação das indústrias culturais significa igualmente uma redefinição da missão dos media em si. Antes, havia um conjunto de tecnologias específicas, produzindo bens culturais e informativos claros. O negócio das indústrias culturais hoje tem de ser feito em referência a audiências e não a meras tecnologias, num quarto ponto aqui deixado. Cada audiência tem gostos e interesses que ao emissor compete conhecer e segmentar. O que leva a uma nova forma de produzir conteúdos - e significa uma variável cultural não desprezível. Tal acarreta a percepção que a estrutura da produção de conteúdos se alterou nos anos mais recentes, e cujas ondas de choque vêm chegando (menos consumo de jornais em papel, mais consultas em sítios de internet dedicados à informação, transferência de espectadores mais jovens dos canais generalistas para o cabo). Além disso, a empresa de media tem de fazer ofertas em mais plataformas, adaptando os conteúdos a cada uma dessas plataformas, o que significa fazer mais e de forma barata, com um profissional a não trabalhar apenas para uma marca (jornal, rádio) mas para o grupo de media. O que conduz a novas estruturas internas centradas não na tecnologia mas nas audiências e nas plataformas.



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