Coisas e Coisas
Engarrafados
São oito horas. Em meu carro popular, sem ar-condicionado, sou mais uma vítima anônima dos engarrafamentos de São Paulo. É dia de chuva e de um frila que não posso perder. Ligo o rádio e sintonizo aquela famosa emissora especializada em trânsito. Já são mais de 100 quilômetros de lentidão na cidade. Que merda,
penso. Vou chegar atrasado. Se chegar, é claro.
A rádio, embora preste um importante serviço jornalístico, me deixa deprimido toda vez que a escuto. É só desgraça. Caminhão quebrado na Bandeirantes, pontos de alagamento nas Marginais, acidente com curiosos na zona leste, algum protesto bloqueando a Paulista. Os ouvintes também participam, por gravações de voz ou torpedos. Competem para saber quem tem a pior história para contar. Isso que é jornalismo colaborativo.
Os repórteres da rádio dão dicas de rotas alternativas, mas nem sempre é possível escapar do caos. O negócio é ter paciência, uma virtude que desconheço. Nessas horas, não sei o que é pior: ouvir aquelas buzinas insuportáveis dos motoboys ou respirar o escapamento dos caminhões. Eu também detesto a sensação de ser observado pelos motoristas ao lado. Não se pode mais falar sozinho em voz alta ou retirar uma catota do nariz em paz.
O tempo passa, e minha ansiedade aumenta. Por que não fui de transporte público? Seria melhor? Olho o relógio e o marcador da temperatura de meu carro, que começa a subir. Só falta meu velho companheiro me deixar na mão agora! O apresentador da rádio tenta amenizar o sofrimento dos ouvintes com seu bom humor e curiosidades da metrópole.
– Vocês sabem por que o complexo do Cebolão, na ligação dos rios Tietê e Pinheiros, leva este nome? Porque suas várias pontes, umas sobre as outras, são como camadas de uma cebola.
Desligo o rádio. O que me resta é rezar. Do meu carro popular, sem ar-condicionado, surge uma fumaça estranha. Um cheirinho de churrasco. Acho que terei de atrasar o aluguel do meu apê de novo. Culpa do trânsito!
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