Coisas e Coisas
ANDY C. PRATT NA GULBENKIAN
Andy C. Pratt é director do Centro de Investigação de Urbanismo Contemporâneo na London School of Economics e conferencista em geografia humana no departamento de Geografia e Ambiente da mesma escola.
Hoje, no final da tarde, esteve na Gulbenkian, integrado no ciclo "A urgência da Teoria" ("O estado do mundo"). O título da sua comunicação de mais de cerca de uma hora foi O estado da economia cultural: ascensão da economia cultural e desafios do desenvolvimento de políticas culturais.
Partindo das tensões entre cultura e economia (economia cultural, cultura económica), Pratt operacionalizou um triângulo: 1) cultura, 2) fazer a cultura, e 3) governar (governance) a cultura. Ao longo do seu discurso foi patente a vontade de superar conceitos nascidos na escola de Frankfurt (sem nomear Benjamin ou Adorno), como indústria cultural e aura (perda da aura na arte), dada a ideia moderna da economia ocupar as actividades da arte e da cultura em termos de valor. O fazer a cultura (making of culture) resulta, assim, de uma formação estética, sensibilidade, disciplina, individualismo e genialidade (genius). Abandona-se a perspectiva romântica do artista fora do mundo, fora das necessidades do mundo, e considera-se a arte e a cultura também no domínio da produção.
Outro tema trabalhado pelo orador foi a da posição do Governo (ou Estado). A visão de protecção estatal às artes está posta em causa, a partir do momento em que baixam os orçamentos governamentais na generalidade dos ministérios. A arte e a cultura adquirem uma matriz onde a economia está presente, atendendo a custos e proveitos.
A quebra da importância da manufactura face ao peso dos serviços, embora relevando o valor do design - a que se junta o maior consumo -, o redireccionamento para a juventude (a cultura dos teenagers), a identidade e a cultura, a economia do conhecimento (serviços, etiqueta intelectual) e da classe criativa - eis algumas linhas da nova economia, a qual favorece as indústrias criativas e culturais. Falou também na globalização, com concorrência nacional e regional, investimento estrangeiro directo e inovação. Em que a vantagem competitiva é a cultura, afirmou enfaticamente, para o que aproveitou alguns quadros. Por exemplo, o do emprego. Assim, na Europa, e segundo dados de 2002, havia cerca de dois milhões de postos de trabalho ligados à indústria automóvel, 1,9 milhões dentro da indústria química e 6,4 milhões nas indústrias criativas. Já no tocante ao PIB, o sector contribuiu com 2,6% em 2003, crescendo mais depressa do que qualquer outra indústria.
Mudar a cultura, eis outro motivo da conferência de Andy C. Pratt. Aí, ele falou de democratização, de "marketização" da cultura, do crescimento maciço do consumo e da necessidade de alterar os modelos de despesas com a cultura e a arte. O Reino Unido gasta cerca de 7% do PIB em cultura e arte, valor que baixa para cerca de 4% em Portugal. Momento para o que aproveitou para alertar para a redução dos gastos do Governo com a cultura e a arte: 1% do PIB em Portugal, abaixo do meio ponto em países como o Japão e os Estados Unidos. Outro tópico foi o da necessidade de renovar os conceitos de alta e baixa cultura, numa nova chamada de atenção para os conceitos herdados da escola de Frankfurt (aura, indústria cultural). Por isso, salientou as tensões entre cultura e criativo, comercial e não comercial, formal e informal, produção e consumo.
O que pressupõe reconceptualizar a cultura, nos resultados e nos processos, na profundidade e alargamento, nos pólos social e económico, na produção de cadeias de valor e na formação de feixes de actividades (clusters). A nova cadeia de valor inclui os seguintes passos: 1) criação, 2) produção (making), 3) disseminação, 4) exibição/recepção, e 5) consumo. A que se juntam duas outras etapas, no domínio vertical: arquivo/preservação; educação.
Andy C. Pratt falou ainda dos desafios do futuro, das novas competências, das convergências tecnológicas e de saberes, da justificação de financiamentos, do estatuto do trabalho (freelancer, precariedade). E do aviso (para reflectir): nem todos podem ser vencedores. Julgo que essa chamada de atenção se prende com a necessidade de interiorizar que nem todos os projectos, por melhores que sejam, têm sucesso, nem que a aplicação vitoriosa num local tenha o mesmo resultado noutro local.
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