A vaidade do entrevistado
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A vaidade do entrevistado


Janice estava ansiosa para saber se tinha ficado bem na foto. Morria de medo de parecer feia, velha, gorda. O texto não importava tanto, mas a foto era essencial. Deveria ligar ou não? Se ligasse, poderia bancar a chata. E detestava ser desagradável. Não, não ligaria. Mas, analisando por um outro lado, se ligasse, sossegaria o espírito. Pegou o celular.

- Oi, Pablo, tudo bem? É a Janice.

- Janice?

- É, Janice. Nos falamos anteontem. Lembra?

- Na Rua Augusta? Sim, você é a menina da minissaia dourada, coxa grossa...

- Nããão! Eu sou a fisioterapeuta. Fui indicada pela minha amiga Andréa, que trabalha com você. Você me entrevistou para a matéria sobre mulheres que, após o fim do casamento, recorrem à companhia de animais de estimação para superar o trauma.

Pablo ficou constrangido com a confusão, mas logo retomou a conversa.

- Sim, sim, Janice, claro, a que conversa com os cinco poodles que tem no apartamento.

- Exatamente, Pablo! Todas as tardes. Eles são os meus queridos!

- Em que posso ajudá-la, Janice?

- Então, eu sei que devo parecer chata, mas eu queria saber quando vai ser publicada a reportagem. Eu comprei o jornal de ontem, o de hoje e notei que não saiu nada.

- Janice, deixa eu te explicar uma coisa: jornal é meio maluco. A gente nunca sabe quando algumas matérias vão sair, principalmente as matérias frias.

Pablo aconselhou Janice a comprar as edições dos dias seguintes até encontrar a matéria e tratou logo de encerrar o papo.

Janice não gostou da conversa. Sentiu-se uma idiota. Não devia mesmo ter ligado. Ficou ainda mais ansiosa. E, além de tudo, foi confundida com uma puta brega da Augusta. E essa história de comprar o jornal todo dia? É estratégia de marketing, com certeza. Esses caras fazem de tudo para vender jornal.

Mesmo indignada com a imprensa escrota que ilude pessoas de bem como ela só para comprarem jornal por toda a eternidade, Janice garantiu a edição do dia seguinte e dos dias seguintes ao seguinte. E nada. Sentia-se um lixo. A foto dela deveria ter ficado uma merda. Sim, eles resolveram jogar a matéria no lixo porque a foto ficou uma merda. Foi exatamente um dia antes de ela retocar a marroquina. Deveria ligar para o jornal e oferecer uma imagem de seus álbuns particulares? Poderia escolher a melhor de todas, uma bem bonitona, com cabelos escovados, em alta resolução. Sim, mandaria a foto da viagem que fez para Serra Negra, com um dos poodles. Mas depois mudou de idéia. Pareceria ainda mais idiota. Era melhor esquecer essa bobagem toda.

Justamente na manhã seguinte, em que não correu feito louca até a banca, acordou com uma mensagem em sua secretária eletrônica. Era uma amiga, perguntando se a Janice de Souza que apareceu na matéria do jornal era ela mesma. Claro que era ela. Será que ficou tão irreconhecível assim na foto? Apressou-se em chegar ao jornaleiro. Lá, pegou um exemplar em exposição, procurou o caderno, a página, a matéria. Jogou o resto no chão.

Cadê a foto? À “fisioterapeuta Janice de Souza, 44 anos” – “43, porra!” – foram reservadas poucas linhas. E nenhuma foto. Havia fotos de outras duas personagens, uma loira gostosona com um golden retriever e uma morena gostosona com um gato siamês. Mas nenhuma dela. Soltou o resto do jornal que estava em suas mãos no chão e foi embora, chorando. Naquela tarde, não conversou com os poodles.


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