A Literatura e Ariano Suassuna
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A Literatura e Ariano Suassuna


O Rafael Lima fez um post, intitulado A Pedra e o Polígono, em que questiona se o livro de Suassuna podia estar enquadrado também na crítica que Diogo Mainardi faz aos chamados romances regionalistas. Comentei lá, mas achei que o comentário ficou bem resumido, por isso resolvi explicar melhor minha idéia.

O projeto de literatura de Ariano Suassuna é um dos mais importantes que já surgiram aqui no Brasil e sua proposta é grandiosa demais para ser desconsiderada. Através da mistura de elementos da cultura popular e da cultura erudita, ele tenta fazer aparecer uma cultura diferente, mais diversificada, com mais pontos a serem observados e discutidos. Em "O Auto da Compadecida", o escritor com base em três folhetos de cordel, apresenta uma peça de teatro com personagens populares do nordeste - o malandro, o mentiroso, o padre, o mulher adúltera, o coronel, o cangaceiro e seus capangas - numa série de situações cômicas. O texto é maravilhoso, mas a sensação é que os elementos culturais populares aparecem de um modo indeciso. Às vezes é bem claro, como nas histórias fantasiosas contadas por Chicó, mas em outras fica sem lugar, como no discurso final da compadecida. Quanto aos elementos de cultura erudita, estes praticamente só aparecem na forma como o texto foi estruturado (uma peça de teatro).



Com "A Pedra do Reino", Ariano mostra de um modo mais claro sua proposta. O texto apresenta o personagem Quaderna, que declara ter o direito ao governo do Brasil por ser ele um membro da verdadeira linhagem real brasileira, não a linhagem real oficial, de Portugal. Ao escrever lendas populares que são apresentadas com o mesmo peso de dados históricos, Ariano Suassuna integra a cultura ibérica com a cultura popular nordestina. Junto com a história, o escritor apresenta cordel, gravuras e a descrição de atividades populares, como cavalhada. Também a obra é dividida em folhetos numerados, como folhetos de cordel, além de apresentar cordéis separados, dentro desses folhetos, que narram outras histórias populares. Mas é preciso admitir que a obra não é perfeita (como é comum em qualquer obra pioneira), com alguns pontos mal explorados. Por exemplo, às vezes o escritor parece excessivamente didático, como nas informações dadas sobre heráldica. Também alguns elementos estritamente regionais são ressaltados tantas vezes que a sensação é sempre de estar lendo uma obra do nordeste e não do Brasil, como se houvesse uma necessidade de afastá-la do resto do país. Talvez por isso, a aparência do final da obra seja pior do que a do começo e o depoimento de Quaderna - o final da obra - passe de engraçado à excessivo. Contribui para isso também a forma como a obra foi pensada: era para ser uma trilogia, mas os dois volumes restantes nunca foram escritos.



A gradiosidade da obra, no entanto, está no fato de que ela apresenta uma direção que poderia ser cada vez mais explorada, retirando assim a sensação de que essa mistura funcionaria apenas no nordeste, com seus elementos populares. Também, os próprios autores pós-Ariano poderiam aproveitar o caminho aberto (que admitamos, é o mais difícil) para se livrarem do rótulo 'regionalista' a que estão submetidos. A crítica de Diogo Mainardi, afirmando estarem os autores 'regionalistas' inflingindo suas banalidades sobre o restante da literatura mundial, poderia sofrer o contra argumento de que havia ali sim, outros elementos culturais (novos) que interessariam não só ao nordeste, ou ao Brasil, mas a toda literatura mundial. Mas o que aconteceu após a publicação da obra? Quase nada de diferente. Apanhe, por exemplo, a obra "Memorial de Maria Moura" de Rachel de Queiroz e olhe-a por esta perspectiva. A que ela se aproxima mais? Ao velho rótulo 'regionalista' da literatura do nordeste ou a literatura misturada de Ariano Suassuna, com elementos populares e eruditos interagindo? Não quero dizer com isso que a obra não tenha valor, ela é considerada um clássico, mas quero exemplificar que é muito fácil encontrar argumentos favoráveis à crítica do Mainardi. Autores nordestinos parecem se preocupar apenas com os problemas rurais do nordeste, como se só isso pudesse ser explorado pela literatura. Até mesmo os escritores de cordel parecem não ter percebido o que Ariano estava oferecendo. Criaram a Academia Brasileira de Literatura de Cordel, como se isso fosse algo que eleva a literatura de cordel, quando sob meu ponto de vista só diminui. Imaginem se houvesse para cada gênero literário uma instituição: Academia Brasileira de Crônica, Academia Brasileira de Romance Policial, etc.? O que os autores de cordel não perceberam é que Ariano Suassuna, com a publicação de "A Pedra de Reino", coloca o cordel (que antes era apenas algo menor) no mesmo degrau de TODOS os gêneros literários do Brasil, bastando que estes escritores agora se aproveitassem do caminho aberto. Daí, leitores estariam lendo obras de 'escritores', não de 'escritores de cordel'.


Para este ano ainda, Ariano Suassuna promete lançar um novo livro, que ele vem escrevendo desde a década de 80, em que promoverá uma mistura cultural ainda mais acentuada do que em "A Pedra do Reino". Resta saber se os novos escritores conseguirão, após a leitura da obra, elevar sua literatura, tornando-a uma literatura com preocupações humanas e culturais e não mais apenas com preocupações regionais.




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