A importância de criar o Arquivo Sonoro Nacional
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A importância de criar o Arquivo Sonoro Nacional


Hoje, decorreu no Museu da Música Portuguesa o colóquio Património sonoro em Portugal: protagonistas, fundos e instituições, organizado pelo Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança e por aquele museu de Cascais. Uma das principais conclusões do encontro é a necessidade de criar um Arquivo Sonoro Nacional, já consignado em legislação do Estado português há vários anos mas ainda não concretizado.

Os intervenientes realçaram a importância da constituição deste arquivo, considerando-o no âmbito da música que existe em Portugal, com uma base de dados em rede (internet), alargado a todas as instituições com arquivos sonoros (que podem continuar a manter e gerir os seus arquivos) e a colecionadores particulares ou privados. Como disse na abertura do colóquio Salwa Castelo-Branco, coordenadora do Instituto de Etnomusicologia, o arquivo sonoro deve incluir a preservação do património sonoro, a sua disseminação, o seu estudo e a repatriação (arquivos sonoros sobre Portugal existentes em arquivos estrangeiros) [ver curto vídeo abaixo].

A existência do Arquivo Sonoro Nacional não quer dizer um novo edifício mas uma estrutura leve com especialistas dotados de técnicas de conhecimento, com criação de metadados e aptos a comunicar a informação às comunidades. Foi um dia intenso de trabalhos, tendo como elemento de fundo a presente exposição sobre o trabalho de Armando Leça (sobre a qual escrevi aqui, e cujo trabalho do compositor e coletor de música de cariz rural merece ser contextualizado técnica, teórica e ideologicamente), patente no Museu da Música Portuguesa.

Apresentaram comunicações Susana Sardo (Escutar, gravar e colonizar Arquivos Sonoros e a repatriação de património sónico na Europa pós-colonial), Eduardo Leite (76 anos de gravação sonora na rádio pública: o desafio da permanência), Manuel Nunes (A canção de Coimbra: o papel dos colecionadores), Pedro Félix (Arquivar o som em Portugal. Notas de um processo inquietante. Estratégias), Carla Raposeira (Fundação Inatel: cuidar do passado para projetar o futuro 76 anos depois), Susana Belchior (As primeiras expedições da The Gramophone Companhy em Portugal), Andreia Mendes (O património sonoro nos Açores: para um inventário regional) e Leonor Losa (A emergência de uma economia de mercado de música gravada em Portugal no início do século XX: o papel dos lojistas).

No conjunto, houve trabalhos que projetam investigações em curso, relatos de arquivos sonoros existentes ou em arrumação e modelos de investigação empírica. O colóquio encerrou com uma mesa redonda moderada por Manuel Deniz Silva e com alguns dos comunicadores acima identificados, que consideraram a criação do Arquivo Sonoro Nacional como ação premente a implementar, embora atendendo aos condicionalismos financeiros existentes. Salwa Castelo-Branco e Rosário Pestana foram as duas organizadoras principais do colóquio por parte do Instituto de Etnomusicologia.



Sem hierarquizar as comunicações, gostei de ouvir Manuel Nunes sobre os contactos que vem estabelecendo com colecionadores de música de Coimbra desde há 25 anos. Tem descoberto coleções de discos de 78, 45 e 33 rpm, gravações de festas de despedidas de estudantes finalistas, gravações efetuadas por amadores, dados sobre composições e biografias de músicos e cantores, partituras, fotografias, memórias orais, chapas de provas de discos (numa altura em que a prova ia ao artista para aprovação da edição). O conferencista traçou um perfil do colecionador, que habitualmente não adota procedimentos científicos dos arquivos e das fonotecas mas elabora uma organização própria, com coleções constituídas por discos e outros elementos (acima descritos), arrumação em espaços variados e nem sempre em boas condições (prateleiras, caixotes, empilhados no chão), qualidade da coleção dependendo da capacidade financeira e da idade (os mais velhos tornam-se mais seletivos e de gosto mais estreito), com valores associados à recolha e divulgação, em que o colecionador tem orgulho no que possui e mostra uma atitude possessiva (pode colocar muitas dificuldades no acesso ou no empréstimo para investigação, acesso que se torna mais complicado se o colecionador morre).

Gostei igualmente de ouvir Susana Belchior, que falou do modo como se efetuaram as primeiras gravações de discos em Portugal, no ido ano de 1900, por Sinkler Darby, representante da Gramophone, no Porto. Técnicas de gravação, perfil dos sons gravados (peças musicais do teatro, repertório de cantores populares e rurais, sons de ambiente) e estratégias do marketing da época (a gravação visava a venda desses discos e de aparelhos de leitura dos discos) foram elementos que desenvolveu. Por seu lado, Leonor Losa falou e identificou os lojistas como elementos essenciais da comercialização dos fonogramas, a partir de 1903, uma vez que a industrialização só se pode falar a partir da década de 1940 com a criação da Fábrica Triunfo, no Porto.

Susana Belchior e Leonor Losa publicarão em breve um livro sobre a gravação e a venda de discos no início do século XX, esperando eu atentamente a obra para ler as conclusões das suas investigações. Uma outra comunicação que me despertou muita atenção foi a de Susana Sardo e os conceitos que definiu: repatriação e arquivo sónico. Repatriação quer dizer regresso aos países de origem de registos feitos por investigadores, nomeadamente alemães e outros povos coloniais europeus no começo do século XX, com registos frequentes em cilindros de cera. A repatriação representa digitalização e investigação simultânea das gravações. Arquivo sónico implica música mas também outros sons (ambientais). Guardados em sítios longe do espaço de origem, salvar os registos quer dizer preservar a memória e analisar a identidade de uma comunidade, traduzível numa nova cartografia do conhecimento.



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