Coisas e Coisas
A fantástica fábrica de notícias
Estava escrevendo a minha matéria. Compenetradíssimo. Queria loucamente comer alguma coisa, não tinha sequer almoçado, mas não podia parar para não perder a minha linha de raciocínio, que era uma merda, mas eu julgava sensacional. Uma mão pequena e delicada tocou o meu ombro. Quando me virei, vi uma menina de uns 10 anos, imóvel, olhar fixo. Que susto! Porra, ela parecia uma daquelas menininhas mortas de
O Iluminado.
- Quer me matar do coração? É esse o seu plano macabro?,
perguntei.
- O senhor é jornalista?
- Eu estou tentando escrever uma matéria importante, morto de fome, e você me surge do nada, me dá um susto enorme e agora quer saber se sou jornalista! Sim, eu sou. Tá feliz?
A menina ficou quieta.
Toda semana eram organizadas excursões escolares para a “fantástica fábrica de notícias”. Às vezes eram adolescentes, mas na maioria das ocasiões eram criancinhas como aquela menininha que queria me matar. Andavam sempre organizadamente, uma atrás da outra, como pediam as tias aos gritos. Mas sempre havia alguma criança que se perdia do grupo e começava a vagar sozinha entre jornalistas e suas sensacionais linhas de raciocínio.
O guia da garotada era um velho jornalista que, depois de se aposentar, decidiu apostar em uma nova carreira. Era um gozador. Sempre foi, desde os tempos de repórter. Ele levava as crianças à gráfica, ao setor comercial e à redação. Entre uma piada e outra, explicava como tudo funcionava, como nascia a notícia e como ela chegava à casa de todos. Na redação, gostava de falar, em voz bem alta, as principais regras a serem seguidas.
- Tomem muito cuidado com os jornalistas, crianças! A primeira regra é: jamais dêem comida aos jornalistas, mesmo que eles peçam. Regra dois: mantenham uma certa distância dos jornalistas. Alguns podem ser perigosos. E, por fim, regra 3: respeitem a tia de vocês e andem em grupos. Quem se perder corre o risco de ficar aqui para sempre.
E ria, sozinho.
- Você não tem medo de ficar perdida pra sempre na redação?,
disse à menininha, que já não parecia mais querer me matar.
- Acho que eu gostaria de ficar aqui pra sempre. Eu quero ser jornalista.
- Ser jornalista? Você ficou maluca? Tanta coisa legal pra fazer nessa vida e você quer ser jornalista?
- Eu gosto, tio. Sabia que, na minha casa, eu fico lendo os jornais e as revistas do meu pai, imaginando um dia escrever as reportagens, ver meu nome lá nos textos?
Então surgiu a tia que, de longe e aos berros, chamava a menina de volta ao grupo.
- É, não vai ser desta vez que a senhorita ficará aqui pra sempre.
- É, mas um dia eu volto como jornalista formada. Se o senhor ainda estiver vivo, me verá.
- É bem provável que eu não esteja mais vivo.
A menina, sempre séria, agora sorriu e, antes de partir, abriu sua bolsinha, pegou um pacote com umas três bolachas recheadas que ainda restavam e me entregou.
- É pro senhor não morrer de fome, tio. Mas não conta pro guia que eu te dei comida, tá?
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