A FAMÍLIA PORTUGUESA NO TEATRO ABERTO
Coisas e Coisas

A FAMÍLIA PORTUGUESA NO TEATRO ABERTO


António é o ausente sempre presente: foi ele quem pagou a casa onde vive a família, seria ele que poria ordem à desordem da vida da sua família. Isaura (Teresa Faria), a viúva, é a intérprete da sua memória, mas já confunde a fantasia com a realidade. O filho Zé (João Maria Pinto) esteve na guerra colonial, mais propriamente em Moçambique, trazendo ainda hoje os traumas da experiência. Depois do regresso, aderiu ao Partido. Agora, já reformado, é acometido permanentemente por achaques e receios de cancro, que já dizimou um dos pulmões. A vida não lhe correu muito bem, resume. A mulher, Rosa (Luísa Salgueiro), secretária numa escola secundária, vive entre apoiar o Zé e os filhos, tendo ainda que dar conta da sogra Isaura, com quem não se relaciona nada bem. Os filhos são Ricardo (Bruno Simões), que trabalha num banco e é o principal sustentáculo da família, e Rui (Carlos Malvarez), ainda adolescente a acabar o ensino secundário e a pensar em entrar como voluntário para as forças armadas, a que o pai se opõe veementemente.

Uma família portuguesa, de Filomena Oliveira e Miguel Real, mostra uma família a caminho da desestruturação, dadas as dificuldades diárias: a falta de dinheiro, a doença, a desesperança, os pequenos problemas tornados quase impossíveis de resolução. Parece haver uma predisposição inconsciente que marca a vida da família, um destino e um percurso indestrutíveis e sem alternativa [imagem ao lado fornecida pela produção da peça].

A encenação de Cristina Carvalhal é um frenesim do começo ao fim, deixando quase sem respirar os espectadores (além dos actores, claro), entre o coro grego inicial e o teatro de acção, uma espécie de bailado ao largo do palco com exercícios de equilíbrio em cima de móveis ou na cama, além do musical. Gostei do movimento mas também apreciei os silêncios, o centrar da história num dos lados do palco, com temas mais intimistas e introspectivos. Por seu lado, o cenário da arquitecta Ana Vaz vai ao encontro do texto de José Gil, publicado no catálogo da peça: Portugal releva o pequeno, o pequenino, os múltiplos bibelots e fotografias e objectos que enchem uma casa. O lar é um amontoado de coisas que quase obnubilam o pensamento e o diálogo entre as pessoas. As coisas estão acima das pessoas. Daí o movimento quase permanente de mudar os objectos para que as personagens se sentem ou andem de um lado para o outro.

A peça foi premiada pela Sociedade Portuguesa de Autores em 2008. Agora em cena no Teatro Aberto compreendem-se as razões. Mas não projecta um futuro optimista, desanuviador. Afinal: o que foram as guerras coloniais? E a entrada dos partidos políticos no quotidiano das famílias? Como se comporta uma família portuguesa nas relações entre os seus elementos?

Ontem, foi Dia Mundial do Teatro e, antes da peça, foi lida uma mensagem da Sociedade Portuguesa de Autores, assinada pelo actor Rui Mendes.



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