Coisas e Coisas


SOBRE OS WEBLOGS - III

A um dos meus blogues de culto, Janela Indiscreta, fiz uma espécie de inquérito, procurando saber como apareceram e como funcionam. Eis as respostas:

"É verdade, a Janela começou no dia 2 de Fevereiro [de 2003] (dia em que João César Monteiro fazia anos) e no seguinte ele morreu e nós demos a notícia, mas daí a ele ser o profeta... bom agrada-me a ideia mas não é verdade, ele seria profeta de coisas melhores... Quanto ao acto fundador não existe, surgimos sem saber bem para quê, isto é uma espécie de ocupação de tempos livres. Agradeço os elogios mas não sei bem o que responder. É verdade, distribuímo-nos pelo Porto e por Lisboa, gostamos de demasiadas coisas, literatura e cinema entre elas… E passo já a batata quente a outro indiscreto" (Cristina Fernandes).

Já para Ana Alves, "os gostos aqui oscilam entre demasiadas coisas. Não temos acto fundador, mas temos a fundadora Cristina [Fernandes]. O 1º post não foi aquele artigo do Público sobre o livro «English as she is spoke»"? Outro dos bloguistas da Janela reconhece: "deambulamos entre o Porto e Lisboa; acto fundador, é como diz a Cristina; e quanto a gostos, acho que, tomando a liberdade de falar por todos, a gente gosta do que nos faz feliz, ou como li noutro blog de que gosto muito (o 1bsk do Alexandre Andrade), faz tudo parte do "combate diário pela felicidade", com a ressalva de que combate é talvez uma palavra demasiado forte, é mais uma ocupação de tempos livres mesmo, e quanto mais tempo livre houver para a felicidade melhor (e já estou a divagar, mas como diz o sempre oportuno ditado, divagar se vai ao longe)" (António Rebelo, Tó).

Anteontem, entre outros posts, na Janela Indiscreta escrevia-se: “Robert Walser (Para todos). Robert Walser (1878-1956) nasceu em Biel, na Suíça. Abandonou os estudos aos catorze anos e trabalhou num Banco como escriturário, como mordomo num castelo e como assistente de um inventor antes de descobrir o que William Gass chama "a sua verdadeira profissão" – a loucura. Desde os vinte e um anos de idade, altura em que lhe foi (mal) diagnosticada uma esquizofrenia, até decidir internar-se em 1933, escreveu nove romances, de que restam quatro, entre eles Jakob Von Gunten (1908) e mais de mil contos e textos curtos. Em 1933 desistiu de escrever e internou-se num asilo psiquiátrico – onde ficou até morrer. "Não estou cá para escrever – disse – mas para ser louco". Kafka, Musil, Hermann Hesse e Walter Benjamin foram os poucos contemporâneos que o reconheceram e admiraram. Hoje é considerado um dos grandes escritores de língua alemã deste século. O Jantar (Das Diner), publicado em 1923, foi tirado do VII volume das suas Obras Completas (Das Gesamtwerke - Prosa aus des Bieler und Berner Zeit, 1921-1925), ed. Helmud Kossodo, 1966” (texto retirado da revista Ficções).

E hoje – dia de grande produção do grupo, e que inclui uma imagem referente a um dos planos finais do filme Lost in translation - comentava-se a propósito do filme, "sobre o qual pouco se pode dizer, pois trata-se de uma sequência de pequenos nadas e de histórias mil vezes vistas e contadas embutidas numa cidade onde tudo é estranho e invulgar e em que boa parte da acção decorre num «não-lugar» como são todos os hotéis. E é este cenário estranho e alienante que ilumina todos os relevos e angulosidades desta "não-história" – isto, para além de Bill Murray e Scarlett Johansson em duas interpretações maravilhosas, e da música, e quem escolheu esta nefelibata banda sonora sabia bem o que estava a fazer. Pouco se pode dizer, sim, mas hoje quando abri o Público e vi a capa do suplemento Y, o filme passou à desfilada na minha cabeça, juntamente com as canções" (António Rebelo, Tó).

Resumindo, neste weblog - onde os seus autores "indiscretos" escrevem sobre literatura e cinema, entre outros gostos -, não há uma só geografia, mas duas (Lisboa, ao "pé" do Tejo, e Porto, à "beira" do Douro), nasceram sob o signo de João César Monteiro (entre o dia de aniversário e a data da sua morte), embora sem acto fundador (isto é, as razões porque apareceram), aproveitam os tempos livres e procuram a felicidade (o combate diário pela felicidade).

Em texto com já nove anos, publicado no Journal of Computer-Mediated Communication, John Newhagen e Sheizaf Rafaeli definiram cinco qualidades específicas da rede electrónica: 1) multimedia, 2) hipertextualidade, 3) comutação em pacote [percurso em rota e velocidade alternativas quando a linha mais curta de contacto está impedida], 4) sincronia e 5) interactividade. Eles pensaram especialmente na componente técnica, dentro da clássica linha da teoria matemática da informação, mas ignoraram ou menosprezaram o impacto estético e a fruição. Apesar dos bloguistas da Janela Indiscreta fazerem uma auto-análise assente na busca da felicidade e na ocupação dos tempos livres - isto é, fundamentalmente na interactividade e hipertextualidade de Newhagen e Rafaeli -, a mim parece-me que, na realidade, este e muitos outros blogs entram num domínio não imaginado no começo da expansão da internet mas que começa a emergir. Este domínio envolve a fragmentaridade, a não-linearidade (não se sabe como começou e porque tomou este ou aquele caminho), a criatividade, a ausência de liderança ou da autoridade (esta já prevista desde os anos 1990, mas que a apropriação dos sítios da internet pelas empresas comerciais reduziu fortemente), as novas culturas underground. Mas também a disponibilidade de edição, como David Hesmondhalgh (2002, Cultural industries) acentuou. A página do weblog surge logo impressa, sem necessidade de intermediários e onde cada um dos utilizadores da internet é o artista criador ou produtor. Como no sampling da música rap, cada bloguista pode retirar um ou mais elementos de posts - ou posts completos - e citá-los, numa grande circularidade de ideias, conceitos ou projectos. Afinal, não é esta a nossa forma de construir a cultura, falando e voltando a falar, ou a escrever, ou a desenhar, ou a ensinar, numa contínua circulação?



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