Coisas e Coisas
O CINEMA EM SÃO PAULO
"Em 1946, o cinema completou meio século de existência. Desde 1896, os sábios da América do Norte e da Europa trabalhavam na fotografia movimentada, aproveitando para isso a duração da imagem na nossa retina. Surgiu com dois ou três nomes. Nós, a princípio, o chamamos de cinematógrafo, designação que mais tarde foi encurtada para cinema. Os hispano-americanos contentaram-se com «cine».
"Um dos primeiros filmes propriamente ditos foi tirado por ocasião do enterro da rainha Vitória, da Inglaterra, em 1901.
"No entanto, os que aqui começaram a chegar, anos depois, foram de procedência francesa e italiana. Os Pathé Frères e Lumière nos deslumbraram. Em falta de outras indicações históricas, recorro à memória.
"Na Travessa do Rosário, hoje, João Brícola, no local onde se encontra o edifício do Banco Novo Mundo, prosperava um salão de variedades. No São Paulo da minha infância havia muitos desse gênero. Num, mostrava-se o fonógrafo, noutro os raios-X, a telegrafia sem fios, o bezerro que nasceu com três pernas.
"Mas o de que eu trato chamava-se
Paulicéia Fantástica. Logo à entrada, via-se uma coisa que só por si atraía a atenção do público. Era uma caixa enorme, pintada de verde, tendo em cima três ou quatro bonecos que martelavam pratos e tambores, enquanto lá dentro o mecanismo executava a marcha triunfal da
Aida.
"[...] Todas as tardes, a Paulicéia Fantástica reunia muita gente. Um homem postado à porta distribuía avulsos impressos em papel de cor e gritava as atrações do dia:
"- Venham ver a sucuri comendo o boi!
"Mas, ao lado da sucuri comendo o boi, apresentava também uma «grande» fita cinematográfica que media «duzentos metros». A tela era pequena, engruvinhada. O projetor ficava atrás do público, fazia muito barulho. Antes de começar a exibição vinha um homem com um canudo e esguichava água no pano. De repente, a tela se iluminava, apareciam figuras trêmulas e saltitantes que pareciam atacadas de dança de São Vito.
"[...] Era um delírio. Depois disso, durante quinze anos, foi a Itália que nos mandou filmes. A literatura cinematográfica só falava em
capolavoro, em
supercapolavoro. Mas depois da conflagração de 1914 a América do Norte dominou o mercado de filmes. Mas eu ainda me lembro das travessuras de Cretinetti, dos sofrimentos de Asta Nilsen, dos gestos langorosos da Chica Bertini..."
[Asta Nilsen, imagem de "Aufgrunden", 1910 (retirada do sítio www.mediasalles.it)]
Leitura: Afonso Schmidt(2003).
São Paulo de meus amores. São Paulo: Editora Paz e Terra, pp. 162-163. Edição original: 1954. Foi respeitada a ortografia brasileira [o meu obrigado à Daniela pelo livro]
O CINEMA EM LEIRIA
"Em 1925, foram consideradas sessões esplêndidas as dos filmes
A Fonte dos Amôres, passado em Coimbra,
A Batalha e
A Desumana. Nos princípios de 1926, era a vez de se apreciar
Vida e Paixão de N. S. Jesus Cristo, seguido de uma série de filmes de menor nomeada. Entretanto, fizera-se uma actualização dos preços dos bilhetes. Os jornais noticiaram que os camarotes da frente (5 entradas) passariam para 10$00, camarotes ao lado, 7$50. Plateia, 2$00 e galerias, 1$00 ($50 por entrada) a cargo do público.
"Estavam a surgir alguns intérpretes que fizeram as delícias do público. Era o caso de Pamplinas (Buster Keaton, imagem retirada do sítio The International Buster Keaton) em
Sherlock Holmes Júnior, e Rudolph Valentino, o eterno galã da sétima arte, que interpretava
Monsieur Beaucaire. Também se viu o misterioso
Fantasma da Ópera (informando a empresa que era rigorosamente proibida a entrada a crianças),
Os Dez Mandamentos, a comédia alemã
Amor e Clarins,
O Ladrão de Bagdad, que foi repetido no dia seguinte, em virtude dos muitos pedidos nesse sentido,
Metropolis, o célebre filme alemão e a película
Grande Parada. Douglas Fairbanks em
O Filho de Zorro foi imitado pela juventude, mas outros procuravam parecer o Valentino... As artistas também eram copiadas pelas jovens, no vstuário, na maneira de andar, no penteado".
Leitura: José Dias Coelho (1999).
Leiria entre 1920 e 1940. Sociabilidade e vida quotidiana. Leiria: Edições Magno/Livraria Martins, pp. 122-123
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