Coisas e Coisas


MÁRIO BOTAS - 20 ANOS DEPOIS

Mário Botas (1952-1983) deixou uma obra notável no domínio da pintura. A mensagem de hoje recorda a primeira exposição póstuma da sua obra, efectuada na cooperativa Árvore (Porto), entre 24 de Fevereiro e 11 de Março de 1984.

Nunca o conheci em vida, mas trata-se de alguém da minha geração e que eu aprecio muito. Do mesmo modo que Amadeu Souza-Cardoso, no começo do século XX, também Mário Botas morreu cedo. Se o primeiro morreu de tuberculose, o segundo seria vítima de uma leucemia. Mas ambos marcaram a sua época, em cada extremo do século. De Souza-Cardoso, vi uma magnífica exposição na galeria que funcionava no rés-do-chão do edíficio do Jornal de Notícias (Porto), agora transformado em escritórios. Parte do seu acervo encontra-se no museu de Amarante, cidade muito bonita que já não visito há bastante tempo. Na sua curta vida, Souza-Cardoso ainda conseguiu trazer o casal Delaunay para Portugal, durante a Primeira Guerra Mundial, podendo Sonia verificar a proximidade das cores vivas do folclore russo com os matizes do Minho (para além da pintura, Sonia Delaunay marcou o período com o desenho de tecidos, que pude apreciar numa outra exposição há relativamente poucos anos no Museu Soares dos Reis, no Porto).

botas1.JPGA exposição de Botas impressionou-me muito. O pintor havia desaparecido há pouco e eu começava a debutar como professor na escola da Árvore (Teorias da Arte, Estética, Teorias da Comunicação), numa altura em que os cursos superiores ainda não estavam homologados. Foi um tempo de grandes discussões e experimentalidade, por vezes à volta da lareira no bar que existia no edifício. Depois, por força do novo código cooperativo, a Árvore Ensino separou-se da Árvore Actividades Artísticas e tornou-se mais tarde a Escola Superior Artística do Porto. Colaborei com aquela escola entre 1983 e 1989. Do mesmo modo que com a exposição de Souza-Cardoso levei os alunos a ver e comentar os trabalhos de Botas.

Não posso dizer que as obras de Mário Botas se inscrevam nas indústrias culturais, atendendo a que estas se definem como "produção e circulação de produtos - ou textos - que se traduzem por uma influência ou compreensão do mundo" (David Hesmondhalgh, 2002, The cultural industries. Sage: Londres, p. 3). Ou, como define Bernard Miège, as indústrias culturais implicam: 1) reprodutibilidade e inserção do artista; 2) incerteza do sucesso do produto cultural, desperdício, obsolescência; 3) criação de profissões, disputa de salários, intermitência no trabalho (Miège, 2000. Les industries du contenu face à l'ordre informationnel. Grenoble: PUG, pp. 18-27).

botas3.jpgOs trabalhos de Mário Botas são da ordem da arte, do trabalho artesanal, da pintura e da aguarela. A primeira exposição individual fê-la em 1971, na sua cidade natal (Nazaré), expondo depois em Lisboa (1973). Mais tarde, em 1978, já doente, apresenta-se na galeria Martin Sumers, em Nova Iorque (Recent drawings) e, em 1979, na Aeolian Palace Gallery, em Pocopson (Pensilvânia) (Drawings). Regressado a Lisboa, dedica-se febrilmente à criação, fazendo pintura, ilustração, desenho e outras actividades, como a direcção da peça O marinheiro de Fernando Pessoa. Mas Mário Botas também participou na ilustração de romances, de que destaco os de Almeida Faria. Licenciado em medicina, em 1975, mas ligado fundamentalmente à arte, servira-se daquela para compreender a sua doença, vindo a falecer em 1983.

Do catálogo da exposição de 1984 retiro uma citação do texto do professor e escritor Arnaldo Saraiva: Mário Botas "pintava sabendo que a morte o seguia não do horizonte vago ou longínquo em que a pressente o comum dos mortais, mas da distância que só aos íntimos se concede". De um diário de Almeida Faria - sobre Mário Botas - também inserido no mesmo catálogo: "18 de Junho - [...] Contou que calcorreara [Nova Iorque], com o pai, muitas livrarias à procura do livro esgotado da Mary McCarthy que eu lhe encomendara e lhe iam enviar para a Nazaré. Trouxe-nos um enorme álbum do Richard Lindner e, em casa, mostrou-me um Richard Müller que trocara por dois desenhos seus e que tem algo do mundo dele [...]".

A pintura de Mário Botas tem influências, entre outras, do expressionismo e do fauvisme, sem contar com uma zoologia imaginária obtida a partir dos contos populares. E, devido à sua condição física com que trabalhou nos últimos anos, a escatologia do corpo humano.

Para procurar mais informação, clicar em Fundação Casa-Museu Mário Botas, que funciona na Rua Luciano Freire, 3-4º - 1800 Lisboa.



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