Coisas e Coisas


ENSAIO SOBRE TIPOGRAFIA

Quando vi o pequeno livro (12,5x18,7) de Eric Gill (1882-1940), Ensaio sobre tipografia, já não o deixei ficar tranquilo na estante da livraria. E pensei logo em cotejá-lo com o escrito por Susana Durão, Oficinas e tipógrafos. Cultura e quotidianos de trabalho [embora este não caiba na presente mensagem].

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No começo da nota prévia ao livro de Gill, escrito por João Bicker, lê-se: "A selecção dos textos para esta colecção tem resultado sempre de motivações emocionais. Editamos livros que amamos, autores que admiramos, textos que de alguma forma nos inspiram e influenciam. Assim aconteceu com o texto de Eric Gill". Mais à frente, Bicker anota, a propósito da necessidade de adaptar a edição original ao formato da portuguesa: "pareceu-nos desde logo claro que o uso do Joanna, um dos mais bonitos e menos usados tipos de Gill, era inquestionável. Já o desenho da página teria que ser alterado. [...] a página mantém, contudo, algumas das suas características mais relevantes: tipo, corpo e entrelinhamento, relação com as margens, inserção e legendagem das imagens, cabeças e numeração das páginas". A aproximação ao original justificaria o uso frequente do "&" e do "sinal.JPG".

Nascido em Brighton (Inglaterra), desde cedo demonstrou uma inclinação para o desenho, vindo a frequentar a Central School of Arts & Crafts de Londres e, mais tarde, o Westminster Technical Institute, onde estudou gravura e lettering. Escreveu muito sobre arte, religião, política e vestuário, indica Luís Ferreira na introdução. Criou tipos (11, embora apenas um tenha o seu nome: Gill Sans) e foi designer tipográfico. O seu tipo Joanna, nome de uma das filhas, seria o usado no livro Ensaio sobre tipografia [imagem retirada do sítio Eric Gill Prints].

Escreve Eric Gill: "temos uma tradição de escrita à mão que parece dar pouca, ou nenhuma, atenção à letra impressa ou pintada [...]. A caligrafia de juízes, advogados, eclesiásticos e outros, continuaram no seu calmo percurso, sem qualquer sinal aparente de serem influenciados por aquilo que pudesse ser a moda do seu tempo" (p. 84). Logo depois, Gill estabelece uma comparação entre a escrita à mão e a impressão de placa de cobre. A moderna escrita à mão pode "sê-lo através da aplicação de um bom conhecimento da técnica de caligrafia a um conhecimento de boa impressão, & não pelo ressuscitar da caligrafia medieval" (p. 83).

O autor releva a importância das letras romanas, que "se fixaram num tipo definitivo cerca do primeiro século d.c. Embora, ao longo dos séculos, tenham sido feitas inúmeras variações de pormenor, as letras romanas, no essencial, não se alteraram. Quatrocentos anos depois do talhe da inscrição de Trajano, fizeram-se as inscrições na placa da capela de Henrique VII, e nenhum romano iria encontrar qualquer dificuldade em ler as letras" (p. 50) [na imagem seguinte, retirada do sítio Identifont, vêem-se as letras do tipo Joanna, desenhadas por Gill].



O conflito entre métodos antigos de escrita e o industrialismo, ainda salientados por Gill, chegou ao fim. Escreve ainda o mesmo autor (2003: 157-158): ""No estado actual das coisas, a caligrafia foi estragada, porque toda a gente é obrigada a garatujar. Só se usa a caligrafia, hoje, na comunicação pessoal entre amigos, e, apesar de todas as melhorias & baixas nos preços das máquinas de escrever, as pessoas terão sempre necessidade de comunicar pela escrita à mão". Mas, o uso do computador relega cada vez mais a escrita manual para o dedilhar das teclas. Perde-se individualidade e identidade própria e ganha-se em uniformidade. As letras escritas à mão degradam-se, como as parcelas de texto escritas por mim com um intervalo de 17 anos (1988-2005). Claro que fica o lettering dos livros, da publicidade e também da internet e dos blogues.

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Leitura: Eric Gill (2003). Ensaio sobre tipografia. Coimbra: Almedina. 163 páginas, €13,50.



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