Coisas e Coisas


TECNOLOGIAS E MEMÓRIA

Por vezes, espantámo-nos com os avanços tecnológicos. E, sem darmos por isso, estamos a comprar o último modelo de aparelho electrónico. O vídeo que está ali junto do televisor já faz figura de ridículo, da mesma maneira que a máquina fotográfica analógica, que eu acarinhei durante muitos anos, deixou de fazer imagens, substituída por uma pequena e ágil máquina digital. Há uma constante obsolescência, como se o conhecimento e as ferramentas tecnológicas que o sustentam necessitem de permanente mudança.

Cada tecnologia tem os seus protocolos (técnicos), que todos os fabricantes procuram adoptar. É o mesmo que usar um aparelho eléctrico e electrónico na Europa (corrente de 220 volts) não compatível com a corrente dos Estados Unidos (110 volts) ou que precisa de um adaptador para a tomada eléctrica quando viajamos para o Reino Unido. A incompatibilidade aconteceu com o vídeo: o Beta (Sony), melhor sistema, perdeu a guerra para o sistema VHS, mais frágil.

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Agora, a ameaça é com o substituto do DVD. Sim, o DVD começa a ter os dias contados, pois lhe vem suceder o HD-DVD (da Toshiba) ou o Blu-Ray (da Sony). Fazem-se apostas de quem vencerá. Para a Toshiba será, obviamente, o HD-DVD, como o seu responsável máximo de I&D disse ao El Mundo de 28 de Agosto passado. Nobuhiro Yoshida diz que a Toshiba tem apoios dos fabricantes Microsoft, Intel, IBM, Canon, Sanyo, NEC, Hitashi Maxwell e Acer e dos estúdios de cinema Paramount Pictures, Universal Pictures e Warner Brothers. Por seu lado, os que apadrinham o protocolo da Sony são os fabricantes Panasonic, JVC, Philips, Hitachi, Pioneer, Samsung, Apple e Sharp e os estúdios Sony Pictures, Twentieth Century Fox e Metro Goldwin Mayer. Resumindo, a Toshiba conta com os líderes do mercado dos portáteis e com a Microsoft e a sua proposta é uma evolução do DVD, ao passo que o protocolo técnico da Sony é incompatível com o actual tecnologia, o que conduz a que cada aparelho tenha dois motores de leitura das duas tecnologias, o que onerará o seu custo. Importante salientar aqui a relação entre fabricantes de aparelhos de imagem e estúdios de imagem (filmes no cinema, televisão e em suportes pagos por unidade, como o DVD). A cadeia de valor da imagem absorve estas indústrias como se fossem uma só. O produto numa das indústrias é escoado nas outras.

Estas guerras de gigantes pelos standards parecem coisa tonta. Mas as coisas, vistas à distância da História, tocam cada um de nós. É o que Pedro Mexia fez na sua coluna de anteontem do Diário de Notícias. Ele retomou um tema que o jornal tinha trabalhado há algum tempo, o dos registos sonoros em cassetes, tecnologia hoje abandonada, mas que funcionou, segundo ele, como o arquivo de música do gosto de cada um. Hoje, o iPod faz isso: descarregam-se músicas (legalmente ou não) da internet e tem-se um roteiro pessoal. Ou, como diz Mexia, "umas gravações caseiras, pessoais e transmissíveis". Ou ainda: "A lógica da música antológica é essa: cada pessoa cria uma sequência pessoal, numa lógica secreta, às vezes inesperada, numa subtil correspondência de segredos e emoções".

O mesmo funciona mais para trás. Eu - com uma memória mais antiga que Mexia, pois nasci antes - tenho uma fita magnética (anterior à caixinha de plástico, a cassete) com um programa do Em Órbita do final de 1970, com a selecção das melhores canções e discos do ano, segundo os realizadores do programa, uma classificação que eu, na altura, levava a sério. Tenho a fita, mas o gravador avariou-se e desceu para a cave, para o local de coisas inúteis mas que não nos queremos desfazer. Resta apenas a cada vez mais longínqua memória dos sons (e das imagens). Parece-me que a música mais bem classificada pertencia a Paul Simon e Art Garfunkel, Mrs. Robinson. Quão distante está essa época!



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