Coisas e Coisas
WILLIAMS - UM BOM MANUAL DE TEORIAS DOS MEDIA (II)[continuação e conclusão da mensagem de 24 de Setembro]
O que se vê, lê e ouve nos media é o produto final de um processo complexo. Filmes, programas de televisão, música popular, publicidade e histórias jornalísticas produzem-se dentro das organizações mediáticas conforme um conjunto particular de actividades e práticas, e por conjuntos diferentes de pessoas. Enquanto o consumidor vê o resultado dos media como simples, os produtores dos media estão envoltos num sistema de produção altamente organizado e de níveis múltiplos. As pressões económicas são uma chave determinante no trabalhar deste processo de produção mas há outros factores importantes.
A estrutura organizacional e a cultura ocupacional dos media também moldam o processo da comunicação de massa. O contexto no qual trabalham os profissionais dos media foi identificado por alguns académicos como central na explicação do conteúdo mediático mas também para compreender a sua relação com outras instituições sociais e as suas audiências.
Para além de nos mostrar os media como actividade económica, esta perspectiva permite ver quem trabalha nos media e como é que se organiza esse trabalho. O conteúdo dos media não é determinado simplesmente pela relação entre patrão e empregado mas por factores organizacionais e ocupacionais, que obrigam os profissionais a regras, rotinas e valores das organizações mediáticas e a relações com outras instituições sociais.
Níveis de análise organizacionalO estudo das organizações mediáticas e do trabalho nelas tem raízes nas observações iniciais dos jornalistas levadas a cabo, por exemplo, por Park (1923). Mas foi no final dos anos 1950 que começou o estudo sistemático das organizações mediáticas. Williams fala de três diferentes níveis:
1) O primeiro foca o profissional mediático individual e as suas preferências, o seu background social e experiência que moldam estas preferências, as ideologias profissionais sob que trabalha e as práticas adoptadas no trabalho diário. Há diferentes factores: atitudes pessoais, valores e crenças; background social e experiência; orientações e práticas profissionais. Os estudos examinam a disposição psicológica e política dos profissionais individuais que actuam como decisores no processo produtivo e editorial, assim como nas características sociais e valores políticos dos que trabalham nos media.
2) O segundo concentra-se nas estruturas e rotinas organizacionais e na sua influência sobre os profissionais e o seu trabalho. O foco reside nos papéis atribuídos a estes profissionais nas suas organizações e ao modo como os indivíduos preenchem os objectivos das organizações para quem trabalham. As organizações mediáticas são entidades complexas cujos objectivos, estruturas e ritmos determinam o processo de produção. O conteúdo dos media é menos moldado pelas acções, empreendimentos e criatividade individuais e mais pelo resultado de rotinas e políticas adoptadas pelas organizações mediáticas para informar e distrair (Manning, 2001: 52). As organizações mediáticas, como outras grandes organizações, são caracterizadas pela hierarquia, divisão de tarefas, e rotinização das operações de trabalho através de regras e procedimentos relativamente estandardizados.
3) O terceiro nível é a interacção entre as organizações mediáticas e o envolvimento social, político e cultural mais vasto em que operam. O foco são as forças externas aos media e que moldam as organizações mediáticas e o trabalho, e o que é produzido. Aqui encontram-se fontes de informação, tecnologia, ambiente político e jurídico e percepções do que querem as audiências. O contexto "cultural" mais vasto é visto como importante em termos de influência mediática extra (Schudson, 2000). Os profissionais e as organizações mediáticas são parte de uma cultura que determina como actuam e como produzem.
A investigação social, na análise da produção dos media, focou inicialmente um tipo de organização mediática, a sala de redacção, e um tipo de profissional dos media, o jornalista. Muito do trabalho inicial sobre a produção mediática concentrou-se na notícia.
Um ponto de partida para muitos dos estudos das organizações mediáticas é que há diferenças entre os media – caso das audiências – mas a produção e distribuição dos media são semelhantes. Apesar de distinguirmos notícia, entretenimento, imprensa e televisão, há semelhanças analíticas nas dificuldades e no contexto organizacional em que operam repórteres, escritores, artistas, actores, directores, produtores e outros, segundo o papel, profissões e ocupações de cada um. Crucial no estudo das organizações mediáticas é o que Manning (2001: 53) designa por autonomia dos profissionais, influenciada pelas estruturas sociais e pelas práticas organizacionais.
Há duas perspectivas de análise das organizações mediáticas. A
perspectiva pluralista vê os profissionais mediáticos como indivíduos autónomos cujas capacidades criativas e interpretativas são encorajadas e avaliadas pelas organizações onde trabalham. Outra perspectiva, o
modelo de acção social, apresenta um quadro dinâmico das organizações mediáticas, feitas de grupos e indivíduos que concorrem, com diferentes interesses que entram em conflito com o poder dentro e fora da organização. As organizações jornalísticas são locais de luta e o processo de negociação entre grupos e indivíduos diferentes modela o produto mediático.
O resultado deste processo não é pré-determinado mas relativo a um equilíbrio particular e evolutivo de interesses. Perspectivas estruturalistas ou pós-modernistas vêem esta explicação como problemática. Embora não rejeitem que o conteúdo dos media surja da interacção entre pessoas nas organizações, a perspectiva culturalista vê o trabalho das organizações e profissionais mediáticos modelados num conjunto de assunções culturais mais amplas da sociedade em que operam. Schudson argumenta (
The sociology of news production, 1989: 275) que há uma diferença entre a construção social das notícias através da interacção dos jornalistas e outra assente entre um contexto organizacional e a produção de notícias dentro de um
dado cultural (
cultural givens) mais vasto em que ocorrem as interacções diárias. Assim, as imagens e estereótipos generalizados sobre os media noticiosos transcendem as estruturas de propriedade e modelos de relações de trabalho (Schudson, 2000: 189).
Leituras: Manning, Paul (2001).
News and news sources – a critical introduction. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage
Schudson, Michael (2000). "The sociology of news production revisited (again)". In James Curran e Michael Gurevitch (eds)
Mass media and society. Londres: Arnold
Sobre o livro e o autor. Kevin Williams, director do departamento de Estudos de Media e Comunicação na Universidade de Swansea, foi anteriormente director-adjunto na Escola de Jornalismo, Media e Estudos Culturais na Universidade de Cardiff. Ensinou também nos Estados Unidos, Dinamarca, Holanda, Espanha, Ucrania e vários países africanos. O livro aqui referido foi editado em 2003:
Understanding media theory. Londres: Arnold [pp. 96-100; sobre teorias da organização e do trabalho mediático]. Foi co-autor de
The Circuit of Mass Communication: Media Strategies, Representation and Audience Reception in the AIDS Crisis (London: Sage, 1998).
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