Coisas e Coisas
NÃO PODERIA ESTAR MAIS DE ACORDO COM EDUARDO CINTRA TORRESNo domingo passado, no seu texto saído no
Público (coluna "Olho Vivo", p. 57), perguntava Cintra Torres: "Por que raio se chama jornalista ao transeunte que faz umas imagens no metro de Londres e não à velhota que telefona para a SIC a dizer que há mais um incêndio no seu concelho"? Hoje, concluindo o mesmo texto (coluna "Olho Vivo", p. 43), Cintra Torres é mais incisivo: "Por captar imagens de água invadindo Pukhet o turista não é jornalista, da mesma forma que, ao atender o telefone, o Presidente da República não é telefonista. Quem compra tábuas no Ikea e monta o móvel em casa não é marceneiro, quem faz uma transferência bancária numa ATM não é empregado bancário e quem enche o depósito de combustível em auto-serviço não é gasolineiro. Quer dizer, não tem essa profissão".
Ora, de que fala Eduardo Cintra Torres? Do jornalismo, da profissão de jornalista, saber que, desde o século XIX, se tornou "uma actividade fundamental à sociedade democrática", com técnica, arte, ética e estatuto, e que se realiza "após estudo académico. Desta forma, há cidadãos que investem anos de vida para adquirir a possibilidade de exercer a profissão de jornalista".
E contra quem fala Eduardo Cintra Torres? Do exercício de fazer imagens e de as dotar (ou ver alguém dotá-las) de importância. Esclarece que as pessoas que fornecem imagens sobre calamidades naturais ou eventos terroristas - e, assim, contribuem para a notícia -, dificilmente podem ser designadas como jornalistas (texto de anteontem); são apenas fontes de informação. Considera ele que o jornalismo não é a "tecnologização" da função do informador e este não se torna jornalista pelo facto de participar no espaço público (texto de hoje).
Os bloguesOs blogues correm como pano de fundo dos dois artigos do professor, escritor e crítico de televisão. Se, no primeiro, contraria o messianismo de textos como o de Dan Gillmor (
Nós, os media, 2005), para quem "as crescentes literacia mediática e possibilidade participativa das pessoas no «espaço público» através dos novos e velhos media levaram ao desenvolvimento do conceito de cidadão-jornalista", no texto de hoje enaltece as funções do jornalista: "estruturação, selecção, equilíbrio, factualidade objectiva, confirmação de fontes, estilo, responsabilidade, ética, serviço ao público".
Logo, o jornalismo exerce-se como profissão e a blogosfera será, porventura, o espaço público aberto a "vozes interessantes e talentosas", que "permitiram que não se perdessem informações verdadeiras que os media tradicionais, para sua vergonha, calam". Mas estas vozes são uma minoria, com a maioria a não ultrapassar a mediocridade dos media tradicionais [curiosamente, ontem, Fernando Ilharco, na sua coluna quinzenal no
Público, chamava a atenção para este fenómeno, alargando-o à leveza de programas de televisão, como
Morangos com açúcar e ao lançamento de uma banda musical dentro desse programa, de que não se sabe bem se tocam e cantam eles mesmos, numa virtualidade e evanescência próprias de meios electrónicos].
O penúltimo parágrafo de Cintra Torres é elucidativo: "o blogue repete a explosão da imprensa no século XIX, quando surgiram por todo o mundo ocidental milhões de novos jornais e jornalinhos, muitos feitos por uma ou duas pessoas e de que só sairam um ou dois números. A nossa Biblioteca Nacional é um cemitério dessa magnífica explosão comunicacional do indivíduo oitocentista, desse iluminado «cidadão-jornalista» e dos seus blogues em papel".
Um senão relativamente ao texto de Eduardo Cintra TorresO jornalismo profissional arrancou dessa multiplicidade de vozes, do experimentalismo em que cada indivíduo se embrenhou. As regras não eram pré-existentes mas foram-se fazendo. Muitos jornalistas foram-se realizando enquanto colaboravam nos jornais. E também as profissões dentro do jornalismo. Por exemplo, o repórter, em Portugal e no final do século XIX, não tinha o estatuto de jornalista e a caixa de previdência (ou segurança social, como queiramos dizer) partiu de uma plataforma inferior do que a dos jornalistas (melhor: escritores, que escreviam artigos de opinião, muito poucas vezes com relação a factos verdadeiros e actuais).
Os jornalinhos eram, frequentemente, alforge de inovações de secções, com os melhores elementos a passarem-se para jornais mais importantes. Recordo, porque a estudei, a carreira de Alberto Bessa: debutando em jornalinhos do Porto, chegou a director do
Jornal do Comércio e das Colónias, em meados da segunda década do século XX.
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