Coisas e Coisas
NÃO ACEITO ULTIMATOSÉ o título da entrevista dada pela ministra da Cultura a Fernado Diogo e Alexandra Carita, na revista "Actual" do
Expresso do passado dia 23. Isto a propósito da colecção Berardo ficar ou não em Portugal. O registo de Isabel Pires de Lima é o seguinte: "O comendador Berardo estabeleceu prazos através da Comunicação Social, mas a mim não me chegou nenhuma informação sobre «timings». Isso, para mim, é secundário. Eu estou neste momento em diálogo com o comendador e com a Câmara Municipal. Não aceito ultimatos, muito menos transmitidos pela Comunicação Social". Um pouco mais à frente, diz: "Não sei [o valor envolvido], porque o comendador nunca apresentou nenhuma proposta concreta. Além do mais, não vou revelar as negociações que tenho mantido com a Câmara Municipal de Lisboa e o comendador à Comunicação Social".
A primeira página do
Expresso (a página que merecia, só ela mesmo, um estudo aprofundado) dá conta de outra realidade, conforme o título indica. No texto, lê-se: "A mais importante colecção de arte contemporânea da Europa vai ficar em Lisboa. Joe Berardo acordou quarta-feira, directamente com o primeiro-ministro, a instalação do seu espólio no Centro Cultural de Belém". Um pouco mais à frente dava conta da entrevista concedida pela ministra dois dias antes (logo: faz amanhã uma semana), com uma posição contrária.
No dia seguinte às notícias do
Expresso, os dois diários de qualidade de Lisboa editavam notícias sobre a mesma informação. Atente-se nos títulos das páginas onde aparece desenvolvido o ocorrido: "Governo dá a Berardo museu no CCB" (
Diário de Notícias), "Presidente do CCB fora das negociações com Joe Berardo" (
Público). Se aquele fala na possibilidade de parte do acervo ir para França, este diz concretamente que Fraústo da Silva, como responsável máximo do CCB, não entrou nas negociações (pelo que se espera a sua demissão, se ela já não aconteceu, dados os factos).
Das minhas conclusões: 1) o semanário adiantou-se à concorrência, mostrando dois discursos distintos, o da ministra, aparentemente desfasada, pois afirmou não negociar sob ultimato, e o dos jornalistas que fizeram investigação; 2) a actuação de diversos actores neste processo - que significa jogos de poder e de decisão e influência -, que incluem a Câmara de Lisboa, o ministério da Cultura, o Primeiro-Ministro, Joe Berardo como dono da colecção, os vários jornais (e o reconhecimento, por parte do
Público, que não do
Diário de Notícias, se li bem a informação deste, da origem da notícia, o
Expresso) e, até, o crítico Augusto M. Seabra (que tem escrito artigos contra Isabel Pires de Lima no
Público, os quais parecem acertados para quem está de fora, mas que cansam tal a quantidade de artigos sobre a mesma questão), 3) o estado da arte em Portugal, com estes desacertos sobre uma história que se arrasta há dez anos, mostra as dificuldades por que passa o país.
Uma outra conclusão - e que é um esteio da linha editorial que aqui sigo - realça a importância da cultura e das artes e indústrias criativas como meio dinâmico de promover espaços geográficos - a França oferecera a Berardo alguns locais fabulosos para ele instalar a sua colecção, incluindo mesmo um museu de raiz. Claro que esta conclusão significa a importância da colecção do português da Madeira.
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