Coisas e Coisas
LISBOETAS NO SÉCULO XXO registo de José-Augusto França é muito diferente do produzido por Beatriz Pacheco Pereira, no livro que destaquei no passado dia 27, O Porto e as suas mulheres. Em
Lisboetas no século XX. Anos 20, 40 e 60, o autor apresenta a obra como "um divertimento de historiador" (p. 7).
França serve-se do romance de Armando Ferreira,
Os Barbosas, como uma espécie de rasto literário para apreciação da época. Com os Barbosas, está-se apto a "situá-los nas suas práticas citadinas, e vermos o que faziam ou podiam fazer, em anos de aclimatização (e por isso particularmente significativos) da população, muito dela nova, de Lisboa-1920, na sua demanda de sentido, social e urbano. E melhor será isso, com certeza, do que figurarmos anonimamente tais práticas quantificadas, em abstracto. Quem ia ao trabalho era o Barbosa, às compras a D. Quitéria Barbosa, à escola oficial da instrução primária e bastante, da Rua da Madalena, o mais pequeno dos cinco filhos Barbosa, ao cinema e ao teatro todos eles, quando iam" (p. 13).
O testemunho de classe dado pelos Barbosa aplicar-se-ia aos anos de 1920: recém-chegados a Lisboa, o enredo do romance leva os Barbosas a habitar em zonas distintas da cidade, umas mais antigas que outras. José-Augusto França mostra-nos a evolução da cidade (o seu crescimento, os seus agentes sociais, a política, a cultura). Duas décadas depois, para um semelhante enquadramento, ele apoiar-se-á na peça de Luís Francisco Rebelo,
Anos quarenta. Aqui segue o percurso dos Meneses, sendo o chefe de família um funcionário público.
Mas José-Augusto França também obtém auxílio em André Brun e Repórter X, em Urbano Tavares Rodrigues e Artur Portela, em José Cardoso Pires e Luís Sttau Monteiro. E, em especial, nos ilustradores da época, como Bernardo Marques, Almada Negreiros, Carlos Botelho, Francisco Valença e João Abel Manta, que tornam esta obra de 106 páginas um livro-álbum delicioso para oferta (pessoal ou a um amigo ou familiar) [e que eu, por direitos de autor e da editora Livros Horizonte, não tenho permissão de copiar].
Como olha ele as indústrias culturais? Pela leitura, vê-se que França privilegiou o cinema (ver páginas 65, 69, 77). As rádios privadas e o filme
A menina da rádio afloram na p. 45. Parece-me que ele faz mais alusões ao telefone que à rádio. Depois, apresenta a televisão (na p. 75, associando o seu surgimento em igual período ao do metro e ao da ponte 25 de Abril, então designada de Salazar). E refere, com pena, o desaparecimento do jornal
Sempre Fixe, em 1959 (p. 83), publicação onde a sátira se faz acompanhar de desenhos e caricaturas que o autor aproveita. Mas também a entrada em cena do segundo canal da RTP, no Natal de 1969 (p. 99). Sem esquecer o "seu" surrealismo (p. 71).
Como José-Augusto França conclui: "O lisboeta burguês e mediano que imaginámos, tirando traços de uma ou outra personagem que a literatura de observação nos deu, ao mesmo nível de classe, em seus avatares e sucessões, entrou pelos anos 20 dentro de bigodes, polainas e bengala, pelos anos 40 já sem pêlos na cara mas de chapéu na cabeça - para sair da cena em 1970, com nova barba, mas sem chapéu e sem gravata já. Ou, no feminino, vestindo camisa em 1920, inaugurando «soutien gorge» a meio da década, em «boutique» de «prêt-a-porter», e começando a usar calças na rua... E para um sexo e outro houve, sucessivamente, anos de carro eléctrico, anos de autocarro e anos de metro - em penas quotidianas modificadas" (p. 105).
Leitura: José-Augusto França (2005).
Lisboetas no século XX. Anos 20, 40 e 60. Lisboa: Livros Horizonte, 106 páginas, preço de € 18 (na livraria Leitura, no Porto, fizeram-me um desconto de 10%, quiçá lembrando-se do tempo em que abundantemente lá me abastecia, até com conta a crédito).
loading...
-
Arte ContemporÂnea Em Tomar
O Museu Municipal de Tomar tem uma importante colecção de arte contemporânea, fruto da doacção de José-Augusto França, com mais de uma centena de obras. França, que nasceu em Tomar em 1922, foi crítico de arte e director da revista Colóquio/Artes,...
-
Rafael Bordalo Pinheiro
Rafael Bordalo Pinheiro. O Português Tal e Qual, de José-Augusto França, é um livro sobre a vida e obra daquele desenhador, caricaturista, ceramista, jornalista e pensador (1846-1905). Serve ainda para percebermos a história política e social de...
-
Novidades Da Editora Livros Horizonte
Em Setembro, a editora Livros Horizonte, entre outros, lança os seguintes livros: - José Augusto França, Rafaelo Bordalo Pinheiro (3ª edição) - Nelson Traquina, Marisa Torres da Silva e Vanda Calado, A Problemática da Sida (colecção Media &...
-
Uma Vida Nova
O documentário Uma vida nova, de Nuno Pires, vai passar na Cinemateca, dia 18 de Julho, pelas 21:30. A história conta-se rapidamente: "Não tinham sequer 20 anos. José e Guiomar foram para França a salto nos anos 70, sem saber uma palavra de francês....
-
LISBOA: CIDADE REMEDIADA, ENVELHECIDA, AGARRADA À TELEVISÃO Retirei esta frase de artigo saído ontem no jornal Público (caderno Local Lisboa), assinado por João Pedro Henriques, que parte de um estudo preliminar de Manuel Villaverde Cabral, investigador...
Coisas e Coisas