Coisas e Coisas


[entrada dedicada a todos os noveleiros (fãs das telenovelas)]

40 ANOS DE REDE GLOBO

O ano passado saíu o livro Rede Globo. 40 anos de poder e hegemonia, organizado pelos professores universitários Valério Cruz Brittos e César Bolaño e editado pela Paulus, editora brasileira de São Paulo. Do que se trata no livro, é fácil de perceber logo no título: o império mediático construído por Roberto Marinho.

Se o texto inicial, de César Bolaño (Universidade Federal de Sergipe) [em baixo, em fotografia tirada em congresso da SOPCOM, em Aveiro, Portugal], é o mais ideológico, dentro do perfil da literatura da teoria crítica e por oposição aos estudos culturais, distinguindo entre capital e cultura, encontro um contraponto no texto de Pedro Jorge Braumann (Escola Superior de Comunicação Social, Lisboa), que, sendo economista como Bolaño, olha a sociedade num quadro liberal quando analisa a posição da Globo em Portugal e a importância que desempenhou na ascensão da SIC à liderança da audiência em 1995.

O livro está muito bem organizado, pois olha o poder da Globo, em especial a partir de 1965, quando surge o canal de televisão com aquele nome, em diversas perspectivas, da jurídica à política (o coronelismo), da internacionalização (destaque para o nosso país) aos formatos que originaram grandes sucessos (telenovela, audiovisual comunitário, educação) e aos outros media das Organizações Globo (imprensa, rádio, fonografia, televisão paga e cinema). São 17 capítulos num texto de 373 páginas (cerca de 20 páginas em média por capítulo).

Retenho alguns dos dados do capítulo escrito por Valério Brittos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) sobre internacionalização da Globo (pp. 131-154). 1977 seria um ano importante - a aquisição pela RTP (televisão pública portuguesa) da novela Gabriela, a partir do livro de Jorge Amado. Tenho memória do enorme impacto que a novela, com Sónia Braga no principal papel feminino, teve na vida pública e privada nacional.


1977 foi ainda o ano da primeira presença da Globo no "Marché International des Programmes de Télévision" (MIP TV), a mais importante montra mundial onde a exposição de produtos significa possibilidades de bons negócios. Mas, escreve Brittos, o mercado europeu é mais significativo que o norte-americano, pois aquele tem dimensão, poder aquisitivo e relativa carência de produtos televisivos. Já em 1980, a série Sítio do Picapau Amarelo era escolhida pela Unesco como exemplo de um bom programa para crianças. E Brittos volta a destacar a importância de Portugal como campo experimental da estratégia internacional da Globo, através da muito bem aceite parceria com a SIC: a resposta de públicos e anunciantes desenharam um competitivo e vencedor quadro de internacionalização da Globo.

A telenovela é a locomotiva [carro-chefe, na bonita designação brasileira] da televisão. Daí, eu saltar para o texto de Sílvia Borelli (pp. 187-203). É que a história dos sucessos da Globo constituem também uma parcela crescente da memória televisiva em Portugal. Borelli, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, começa o seu texto lembrando o tripé da televisão brasileira: jornalismo, variedades e dramaturgia. A telenovela está na grelha de programas (grade, no Brasil) da Globo desde 1965, ou seja, desde o arranque do canal. E no horário nobre, com duas novelas (das 7 e das 8), ensaduichando o Jornal Nacional (estratégia moderna das portuguesas SIC e da TVI). A novela - que contribuiu para a construção da grelha vertical de programação, com conhecimento prévio e regular no dia-a-dia da recepção televisiva - é um produto de baixo custo de produção e alto grau de rentabilidade, pois uma novela com 150 ou 200 episódios paga-se ao fim de dois a três meses de veiculação. Isto sem ter em conta as receitas de merchandising (ou de product-placement). A autora não descura ainda a competência tecnológica (produto de qualidade) da novela com o selo da Globo.


Roberto Marinho (1904-2003) começou a sua carreira como jornalista do jornal Globo (propriedade da família), no ano de lançamento do diário (1925), chegando a seu director em 1931. O alargamento aos outros media foi sendo conseguido paulatinamente: a rádio em 1944, a televisão em 1965, a indústria fonográfica em 1971 (marca Som Livre), a televisão por assinatura em 1992 e o cinema em 1998. Diversos capítulos anotam as relações do grupo mediático Globo com a ditadura militar que rebentou no Brasil em 1964, assim como a oposição à eleição de Leonel Brizola para governador estadual, aos presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek de Oliveira e à campanha Diretas já (1984).

Leitura: Valério Brittos e César Bolaño (2005) (org.). Rede Globo. 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus.




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