Coisas e Coisas
POÉTICA DO FUTEBOLAgora que a Itália ganhou o campeonato mundial de futebol - e Portugal ficou num honroso quarto lugar -, volto-me para um texto publicado no
El Pais de hoje (pág. 15). Tem o título de
Os deuses do futebol e é escrito por Günter Gebauer, filósofo e sociólogo de desporto na Universidade Livre de Berlim e autor do livro
Poética do futebol. Começa assim o artigo:
- Uma partida de futebol é como um grande acontecimento teatral. Mas, diferentemente do teatro, decorre maioritariamente sem linguagem, embora com uma importante participação dos espectadores. Com base neste jogo sem linguagem, os espectadores constroem relatos sobre si próprios: num campeonato do mundo uma nação vê-se a si mesma como num espelho. Um êxito é uma prova que se mantém a mitologia nacional e que reflecte a situação actual da nação. Numa partida de futebol, os espectadores reconhecem o estilo particular com que a sua equipa procura resolver a tarefa de ganhar o jogo. Em cada nação existem certos juízos prévios, sejam positivos ou negativos, de como se conseguem superar os problemas. Cada nação criou um tipo de mitologia sobre as suas próprias capacidades, o que proporciona uma fé em si própria. Do estilo da equipa surge o mito que celebra as suas capacidades particulares.
A associação de adeptos e nação pode, num dado momento, despertar orgulho e heróis. O orgulho remete a características que correspondem a representações ideais do colectivo. Escreve ainda Günter Gebauer que os "seus membros estão convencidos das reacções que eles mesmos criaram e crêem nelas com entusiasmo. Deste modo aumenta o poder do colectivo; também se reconhecem cada vez mais os de fora. O orgulho aplica toda a força do colectivo aos objectos de veneração: moldam a imagem dos seus jogadores favoritos como figuras santificadas de tamanho sobrenatural". O futebol, e os relatos de outros encontros, torna-se uma narrativa que fica na memória e onde sobrevivem esses heróis, com cada novo relato a ser a repetição do relato original, numa actualização que se repete e repete. Trata-se de uma dinâmica permanente da memória, continua Günter Gebauer.
Na realidade, nestes dias tivemos heróis e fizeram-se comparações com outros campeonatos, nomeadamente o que decorreu há 40 anos. O mito do futebol gira em torno de grandes acções e grandes jogadores, conclui o sociólogo que venho a referir. É que a mitificação de pessoas do conhecimento quotidiano estendeu-se, além do fenómeno antigo em si, à "produção de heróis no mundo do espectáculo, da economia, da política". O efémero do feito desportivo parece, assim, perpetuar-se na memória colectiva, garantia de força e grandeza desse feito.
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