“Pescoção”, esse incompreendido
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“Pescoção”, esse incompreendido


Eu era jovem e, naquela sexta-feira, peguei minha bolsa-carteiro (aliás, por que jornalistas adoram bolsas-carteiro?) e me preparava para deixar a redação. Era noite de balada. Já tinha cumprido minha missão naquele dia, no meu primeiro emprego em um grande jornal diário. Foi quando meu chefe me convidou para ficar para o “pescoção”. Fiquei ansioso com a novidade, mas confesso que não doeu. Foi a primeira de muitas noites em que troquei o conforto do meu lar ou os prazeres da vida mundana por intermináveis madrugadas na frente de um computador.

Descobri que não existe curso de Jornalismo capaz de explicar o verdadeiro significado deste ritual que domina as redações há tanto tempo. Nada melhor do que trabalhar em um “pescoção” para entendê-lo. No começo da carreira – quando você ganha mal, mas tem energia e é feliz –, o pescoção é até um evento social. Todos reunidos, comendo uma pizza, falando besteira. Até nosso chefe parece simpático. Ele faz parte da turma, conta piadas, a maioria sem graça, mas todo mundo ri, é claro.

Após muitas sextas-feiras viradas, você descobre que “pescoção” é simplesmente um segundo dia de trabalho em um único dia de trabalho. Extenuante. E o pior: sem ganhar hora extra. O que me incomodava também era o desafio de escrever, para o leitor de domingo, um texto dois dias antes, sem encher lingüiça e sem deixar de ser atual. No meu caso, trabalhar de madrugada foi também o começo da ruína do meu casamento. Lá em casa, na minha ausência, a vida também era agitada, intensa.

Hoje, sinto falta dos pescoções, com seu ritmo alucinado, principalmente quando estou em casa, nas noites de sexta-feira, de bobeira, assistindo à TV aberta, já que não tenho dinheiro para pagar uma TV a cabo, nem coragem de puxar um gato do vizinho. Fico lá, sozinho, vendo a Luciana Gimenez fazer cara de santa e dar lição de moral em atriz pornô, os big brothers gritando “uh-uh”, e o Amaury Jr. bombando em Punta del Este. As coisas mudam. Só o jornal de domingo que continua velho.



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