Uma brincadeira
Coisas e Coisas

Uma brincadeira






Eles disseram que a brincadeira era mais ou menos assim: faziam um pacote que teria o tamanho de uma criança recém nascida. Daí embrulhavam esse pacote com diferentes tipos de papel. Por último colocavam em um plástico, como esses sacos de lixo. Então, antes de fechar esse último pacote, colocavam dentro um toca-fitas antigo. Isso era feito para não perder muito dinheiro caso quebrasse ou alguém levasse. Era preciso gravar na fita mais ou menos uns trinta minutos de choro de bebê. Disseram que era engraçadíssimo o resultado!

Helena sempre teve o desejo de ser mãe. Simples assim. Mas sofria de algum tipo de síndrome/problema/disfunção que fazia com que seu útero não conseguisse manter nenhum bebê. Helena havia se acostumado com isso. Ela e seu marido haviam feito terapia de casal/tratamento/aconselhamento para superarem esta "falha" com a qual eles tinham sido agraciados. Levavam uma vida feliz, apesar de tudo.

Carlos era um trabalhador braçal. Morava em um bairro afastado da cidade. Dependendo de onde estivesse trabalhando no momento, tinha que pegar duas ou três conduções para ir e voltar todo dia. Gostava de dormir em casa, ao contrário de alguns colegas que preferiam passar a semana na obra e só voltar pra casa nos finais de semana. Seu corpo era talhado pelo suor do dia a dia. Típico fetiche de filme pornô categoria B.

Eles disseram que nas primeiras vezes em que fizeram essa brincadeira, se divertiram muito. Na primeira vez usaram um latão de lixo que fica perto de um condomínio onde moram. Colocaram o "bebê" dentro do latão de lixo, ligavam o toca fitas e saíam correndo. O principal da brincadeira era encontrar um local em que pudessem observar as reações das pessoas. Disseram que o resultado era engraçadíssimo!

Helena e seu marido adotaram uma criança. Duas, na verdade. Um bebê de dois meses e meio e uma menina de 2 anos e meio. No início foi difícil. Helena se deu conta de que é muito mais difícil lidar com as crianças de verdade do que com aquelas que ela imaginava somente. A atenção tem que ser vinte e quatro horas. E a atenção era em dobro. Parecia haver uma disputa entre as crianças. Raramente uma chorava enquanto a outra estivesse tranquila. raramente uma tinha fome enquanto a outra estivesse dormindo. As necessidades eram duplas, e a pressão sobre Helena também.

Acabou que Carlos sabia dessa sua "qualidade". Não era raro ele ampliar seu trajeto entre casa e trabalho para exibir seu corpo. Usava sempre roupas justas. Calça colada. Camiseta branca idem. Não é raro vermos uma pessoa começar a corresponder ao seu próprio clichê. Se as pessoas o viam como um objeto sexual, era isso que Carlos seria para eles. Nunca chegou a cobrar por estes outros serviços, mas ganhava presentes. Não dispensava que lhe pagassem as bebidas e, principalmente, a conta do motel.

Só que, depois de um tempo, as reações já começavam a ser todas mais ou menos parecidas. Eles disseram então que para manter a brincadeira engraçada começaram a pensar em outras possibilidades. Pensaram em colocar um boneco dentro do pacote. Assim as pessoas ficariam mais em dúvida se era um bebê de verdade dentro. O melhor seria ter dinheiro para comprar um daqueles bebês que parecem reais e está na moda na China, achavam.

Helena entrou em colapso. Precisou de 'férias' das crianças e para isso, contratou uma babá. Agora ela tinha uma parte do somente para ela. Podia, e assim fazia, tirar algum tempo para dar umas caminhadas. Ficar um tempo em um café. Ler um livro longe do choro das crianças.

Carlos andava fisicamente esgotado. Seu trabalho lhe exigia demais. Sua vida sexual lhe exigia demais. Decidiu tirar um dia de descanso. Saiu de casa normalmente como se fosse trabalhar, mas tinha decidido fortemente não fazer nada naquele dia. Colocou uma roupa discreta, diferente das que usava sempre na tentativa de não chamar atenção.

O que poderiam fazer para ter mais sucesso nas coisas que queriam?

Carlos foi para a beira de um lago num parque famoso na cidade. Descansou durante um bom tempo embaixo de algumas árvores. Helena foi para a beira de um lago num parque famoso na cidade. Ficou sentada em um banco, próximo de um lago, lendo durante um bom tempo. 'Eles' tiveram uma idéia brilhante envolvendo o 'bebê' e um lago num parque famoso da cidade. Iria ser engraçadíssimo.

A primeira que ouviu o choro do bebê não foi Helena. Foi uma senhora que passeava com seu cachorro. Mas aquela senhora não conseguia entender da onde vinha aquele choro intermitente. Helena ouviu um pouco depois, quando percebeu que a senhora procurava por alguma coisa. Inferno, pensou. Eu saio de casa para não escutar choro e o choro me persegue.

Você está ouvindo uma criança chorando? - perguntou a senhora para uma babá que passeava com um carrinho. A moça não respondeu, simplesmente olhou para o lago e começou a gritar por socorro. Helena levantou aborrecida por causa de tanto barulho e estava indo embora quando viu que a babá apontava para o lago assustada.

'Eles', do outro lado do lago, olhando para tudo com binóculos, riam com o escândalo feito pelas mulheres. O resultado era engraçadíssimo, novamente.

Helena foi até a beira do lago e deu-se conta do que acontecia. Gritou com toda a força que tinha por ajuda. Socorro. Que alguém pudesse fazer alguma coisa.

Carlos acordou com todo aquele barulho. Não pensou em nada. Jogou-se na água e tentou nadar ao encontro do bebê. Não era um exímio nadador.

'Eles', do outro lado do lago, olhando para tudo com binóculos, riam com falta de jeito do cara que tinha se atirado no lago. O resultado era engraçadíssimo.

Helena não conseguia olhar para a cena. Estava aterrorizada. Mas ficou feliz quando viu um homem jogar-se na água para salvar o bebê. A senhora com o cachorro abraçava a babá e ambas quase sorriram quando Carlos, que elas não sabiam quem era, com muito custo chegou perto do pacote plástico que chorava.

'Eles' riam.

Carlos nadou com todas as forças que pôde. Fazia tempo que não entrava no mar, num lago, qualquer lugar que fosse necessário nadar. Quando chegou perto do pacote plástico e ouviu o choro do bebê, Carlos achou que conseguiria salvá-lo. Era uma coincidência divina que ele não tivesse ido trabalhar no exato dia em que alguém teria feito uma coisa terrível como jogar uma criança dentro de um lago. E foi pensando nessas coisas que ele finalmente chegou até o bebê. E foi pensando nessas coisas que ele afundou pela primeira vez.

'Eles', do outro lado do lago, viram quando aquele homem forte começou a afogar-se. Um deles não pensou, atirou-se na água com a intenção de ajudá-lo.

Helena, a senhora com o cachorro e Beatriz - a babá - viram suas esperanças começarem a esvair-se quando o homem afundou pela segunda vez. "Meu Deus", foi a única coisa que D. Mariana - a senhora com os cachorros - conseguiu pronunciar, enquanto as outras duas mulheres choravam.

O rapaz que até há pouco se divertia, chegou perto do homem forte - que ele não sabia chamar-se Carlos - quando este afundava pela terceira vez. Puxou-o pelos cabelos e o trouxe a tona. Carlos não queria morrer, mas não estava pensando muito bem no que fazia. O rapaz tentou arrastá-lo para fora do lago, mas Carlos queria trazer o bebê. Ele havia se jogado na água para salvar o bebê. O rapaz puxava Carlos. Carlos tentava se desvencilhar do rapaz.

Helena não conseguiu mais olhar para a cena. Foi embora, correndo.

Carlos e o rapaz que até há pouco se divertia com sua brincadeira engraçadíssima continuavam no lago. O rapaz já não tinha forças para lutar com Carlos. Carlos já não tinha forças para manter-se na superfície. Ambos afundaram, novamente.

Quando o marido chegou em casa, encontrou Helena ao lado do berço das suas crianças.

No telejornal, a notícia dos afogamentos. A polícia ainda procura pelo corpo de um bebê que, segundo as testemunhas, chorava dentro do lago. As buscas devem prosseguir durante a semana. Até agora, além do corpo de dois homens - ainda não identificados - só encontraram uma quantidade enorme de lixo jogado dentro do lago.

Outras testemunhas - três rapazes que estavam do lado oposto do lago - não confirmaram ter ouvido um bebê antes do incidente. Relataram apenas que um dos seus amigos viu o homem se afogando e jogou-se para salvá-lo.

Morreu como herói.






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