- Sórdido, canalha, filho da puta, corno, desgraçado, imbecil, idiota. Grosso, mal amado, filho da puta, sujo, hipócrita, anão! Viado, podre, filho da puta, animal, verme... filho da puta... filho da puta...Era o que eu ouvia. Nem preciso dizer que todas essas palavras e esse acesso de raiva entravam por uma orelha e saiam pela outra. Bobagem. Isso não era nem metade das coisas que eu pensava. Se vocês soubessem da metade das coisas que se passavam pela minha cabeça, provavelmente não iriam mais falar comigo. Atravessariam a rua quando me vissem. Bobagem.
Existe uma expressão em inglês que diz "piece of shit". Pedaço de merda. E era como eu te via nesse momento. Um pedaço de merda. Para isso eu pensava em te colocar umas daquelas bolsinhas que são usadas para quem acabou de operar o intestino. Tem um nome o tal procedimento, mas eu não lembro. De qualquer forma, não importa o nome. Só a imagem de você andando por aí com um saco de merda agarrado na cintura já era suficiente para me deixar calmo. Você me xingava e eu te imaginava tendo que conviver com toda a merda que você produzia. Você me xingava e eu te imaginava tendo que limpar o tal saquinho. Como é que se faz para limpar toda a merda que a gente produz?
De uma certa forma não deixa de ser algo infantil essa reação. Eu imagino. Imagino as piores atrocidades do mundo enquanto a pessoa me olha com aquela cara de ódio característica. Shit face. Já imaginei você caindo e dando com a cara no chão. Quebrando todos os dentes e esvaindo-se em sangue. Caindo como um saco de merda jogado por alguma janela de algum apartamento onde alguma criatura não suporta mais conviver com a merda que produz. Piece of shit.
Certas pessoas simplesmente não conseguem conviver com a própria mediocridade. Você é uma dessas pessoas. Eu provavelmente também. É a única coisa que justifica eu estar aqui perdendo meu tempo escrevendo essas coisas sobre você. Um pedaço de merda. Algumas pessoas pensam que trocar sua vida pela de outras faria com que elas se sentissem melhor. Bobagem. Ninguém se sente melhor mentindo. Pode se sentir por um tempo. Depois, a mentira começa a pesar. Você começa a querer fazer certas coisas que no mundo de mentira que você criou tem lógica. Mas no seu mundo, não! No seu mundo de merda você continua sendo a mesma pasta imprestável. Uma pasta de merda.
Mesmo assim seguimos mentindo. Fingindo que acreditamos na mentira dos outros. Querendo acreditar em nossas próprias mentiras. Um mundo de mentiras. Shit world. E nesse mundo de mentiras você está aí, gritando. Eu estou aqui, fingindo que ouço. Quando na verdade eu estou desejando todo um catálogo de desgraças para você. Querendo que um raio caísse na sua cabeça. Querendo que você tenha sua boca costurada por alguma seita satânica escandinava. Uma seita de merda. Como você. Como eu.
Talvez, tudo isso esteja dessa forma por causa desses remédios que eu ando tomando. Essas pílulas branquinhas sem nenhuma marca aparente. O médico disse que elas iriam ajudar a controlar o meu humor. Ele disse que depois que eu me acostumasse com estas pílulas não haverá mais possibilidade de eu repetir as coisas que andei fazendo. Quando eu contei a ele que tinha atirado um saco de merda pela janela do apartamento, ele disse que eu estava enganado. Auto-engano, segundo ele. Uma forma de me proteger da realidade. Realidade de merda, claro.
Agora, por fora eu sou uma pessoa calma. Mal consigo levantar a mão. Meus movimentos parecem acontecer sempre dois ou três segundos depois que eu dou a ordem. Eu levo aproximadamente cinco minutos para limpar a minha bunda quando vou ao banheiro. Muitas vezes eu nem consigo fazer isso sozinho. Preciso da ajuda da enfermeira para limpar a minha merda.
O médico disse que eu joguei você pela janela do apartamento. Eu não consigo entender. Você está aqui gritando comigo. Falando todas essas coisas enquanto eu continuo imaginando você virando um saco de merda. Você não para de gritar. O meu corpo não me obedece direito, mas a minha cabeça sim. Eu sei o que é e o que não é realidade.
O médico diz que não. O médico diz que agora sou eu que estou me transformando em um pedaço de merda. E que eu mereço isso.